7:40Água quente

Mãe, a água tá quente, mãe…
Deixa o pé formigando.
Ando tão cansada que é bom que o pé
formigue na água quente.
Ai, mãe, esta quentura me incomoda.
Olha a minha coxa se arrepiando…
Se ele viesse e visse
que diria de minhas coxas?
Ia achar elas bonitas?
Ia virar a cara?
Ia me chamar de sem-vergonha?
Mãe tenho que cortar as unhas,
tenho que passar esmalte
daquele bem vermelho,
porque vou comprar sandália branca
e vou ao casamento da irmã dele
e vou dançar com ele
e preciso passar esmalte,
entendeu mãe?
Sabe, tem horas que fico pensando que felicidade
é uma coisa que nunca experimentei,
que nunca vai chegar pra mim.
Acho que ela é tão pouquinha no mundo
que não sobrou um pedacinho,
um pequititinho de nada.
Por que será, mãe?
Por que a vida tem que ser do jeito que é?
Ih, mãe, olha o tamanho da lua que vai subindo
lá  por detrás do paiol…
Ela parece grávida, não parece?
Ela não parece barriguda?
Mãe será que é bom beijar
namorado na estrada,
numa noite enluarada como esta?
Como será, mãe, como será?
Mãe, a água esfriou na bacia
e eu aqui lavando o pé…
Não tenho mais comichão, a água não queima,
mas se a senhora visse a lua donde eu vejo, mãe,
se a senhora soubesse como são as coisas…
Mãe tem água fervendo dentro de mim
e tá  queimando tudo, formigando tudo,
invadindo tudo que nem sei, mãe.
Nem sei…

por Zeca Corrêa Leite

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