17:55Sonhador quixotesco

Tostão, craque de bola e da crônica esportiva, encerra a discussão sobre passado e presente no futebol em texto brilhante publicado originalmente na Folha de São Paulo. Confiram:

ESCUTO , com frequência, de técnicos e comentaristas, até dos que admiro, expressões do tipo “nenhum craque joga sozinho, como acontecia no passado”, “hoje, futebol é coletivo”, “ninguém joga bem hoje sem um bom preparo físico” e tantas outras. No passado, não era diferente, dentro do estilo de jogar e dos padrões físicos da época.
Muitos jovens -técnicos, jogadores e fanáticos por futebol-, influenciados pelo que leem e escutam, acham que os jogadores do passado andavam em campo, que não havia esquema tático, que ninguém marcava e até que os craques não jogariam no futebol de hoje.
No passado e no presente, o futebol é dividido entre os que sabem jogar e os que não sabem. A diferença é que, hoje, dão muito valor também aos que não sabem.
Já escrevi milhares de vezes que os craques, do passado e do presente, só brilham intensamente, com raras exceções, quando atuam em equipes organizadas. Messi, na seleção da Argentina, é um bom exemplo.
É óbvio também que é essencial ter um bom preparo físico. Sempre foi assim. Ronaldinho não joga como antes porque não tem a mesma mobilidade e velocidade. Ele carrega também todo o peso da fama e da glória. Para evoluir, Ronaldinho precisa ficar mais leve, de corpo e de alma.


Mesmo assim, Ronaldinho ainda joga melhor que a maioria dos atletas. O problema é que os torcedores, jornalistas e técnicos querem vê-lo jogar como em seus melhores momentos, que são recentes e ainda não foram esquecidos. Alguém disse que ele está acabado, e a maioria repete.
Craque, do passado e do presente, precisa ter funções e referências em campo. Só assim se sentirá seguro para improvisar e criar.
O Cruzeiro, nos anos 60, tinha uma excelente equipe e um ótimo conjunto. Todos tinham funções definidas. A de Dirceu Lopes era não ter nenhuma função. Por suas características, Dirceu Lopes precisava de muito espaço e muita liberdade em campo, para atuar por todos os lados. A disciplina tática ficava por conta dos outros jogadores. Valia a pena deixá-lo livre.
Além do excepcional preparo físico para a época e da presença de vários craques e do Rei Pelé, a seleção brasileira de 70 tinha uma grande força coletiva. Fizemos uns 500 treinos táticos.
Na época, Zagallo estava à frente dos outros treinadores. Todos tinham função e cumpriam. Até Pelé.
De vez em quando, me pedem para falar mais de minhas experiências como atleta. Tenho a preocupação de não superestimar as coisas de outras épocas. Havia também muitos times e jogadores medíocres, mesmo em grandes clubes. Outras pessoas acham que quem gosta de passado é museu.
A palavra saudosista passou a ter conotação preconceituosa, para falar de quem acha tudo do passado melhor e de quem não acompanha o progresso. Não coloco a carapuça.
Vejo e observo tudo o que acontece no futebol de hoje e sei separar as coisas boas e ruins, do passado e do presente. Não sou um sonhador quixotesco nem um deslumbrado pelo modernismo e por algumas idiotices da tecnologia.
A coluna voltará a ser publicada no dia 4 de outubro. Até lá.

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