18:58HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Câncer

Os carros zuniam na frente. Às costas, um rio podre. Do outro lado da rua, construções antigas de tijolo à vista onde as marcas do tempo eram como feridas incuráveis. Mas ele só olhava para uma delas – e a porta de metal enorme estava fechada. Ele conseguiu atravessar a avenida e notou que na porta havia buracos construídos pela ferrugem. Subiu alguns degraus, esticou o corpo, se amprou na ponta dos pés e lá dentro só divisou, do outro lado, muito distante, o tinha sido um grande vitrô, junto ao teto. Deu para calcular que a fábrica era enorme, mas o cheiro de môfo e bichos mortos o afastaram. Ele se sentou e chorou um pouco. Estava cansado. Era o fim de uma jornada que tinha começado no dia em um vento forte entrou no anexo da casa onde estava e ele tentou descer o vidro de uma das duas venezianas ali existentes. Não conseguiu. A borboleta de metal que amparava aquela estrutura de madeira e vidro estava emperrada. Ele olhou direito para as duas asas, viu uma pequena marca, buscou uma lente de aumento, leu, marcou, e ficou ali pensando durante o final da tarde, enquanto um avião riscava o céu azul e uma sabiá comia migalhas de pão num muro, sobre a desimportância importante de tudo. Pesquisou então durante muito, muito tempo, até chegar àquele endereço de fábrica que não existia mais. Voltou então para casa, para o escritório. Nunca mais tentou fazer a borboleta de metal funcionar. De vez em quando a olhava. Com ternura, sem saber por quê.

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