17:14Fim de semana serra abaixo

por Bia Moraes

Nesse fim de semana, fizemos uma viagem incluindo Antonina, Ilha do Mel e Paranaguá no roteiro. A intenção era aproveitar o sol e também levar os filhos menores para conhecer locais bacanas do litoral paranaense. Explico. Desde que nasceram, há quase 12 anos, os gêmeos – João e Elisa – passam verões e feriados em uma praia de Santa Catarina que amamos. Portanto, vamos lá! Crianças curitibanas precisam conhecer praias de seu próprio estado. Simbora curtir o sol aqui pertinho!

Foi tudo lindo no começo. A descida pela estrada da Graciosa, o visual incrível da Serra do Mar, o almoço em Antonina em um restaurante típico da cidade – casarão antigo na praça, barreado delicioso, a dona servindo, a cozinheira simpática vindo conferir o prato… e um passeio a pé pelo centrinho da cidade, que é muito fofa e acolhedora.

Depois, veio um trecho muito feio: a estradinha que vai de Praia de Leste a Pontal. Dá angústia ver tanto abandono, tanta feiúra. Comércio de baixa qualidade. Tão pouco verde, e tanto lixo espalhado por todo lado. Há mato crescendo em quintais e jardins, terrenos abandonados, casas malcuidadas, lojas fechadas, muita sujeira. E a estrada é ruim. Deu vergonha nessa hora, pois nossos filhos estão acostumados com as paisagens das praias catarinenses, onde tudo é bem mais limpo e cuidado.

Enfim, chegando em Pontal, pegamos o barco da pousada, que já nos aguardava, e fizemos o trajeto até a Ilha do Mel. O trecho é curto e o clima estava ficando nublado naquele fim de tarde de sexta-feira. Mas deu pra sentir a beleza da baía de Paranaguá. E ainda tivemos a emoção extra de literalmente “cruzar” com um navio russo, que passou imponente bem na nossa frente, tão pertinho, enorme! Uma visão incrível pras crianças e até pra nós.

Os dois dias na Ilha foram perfeitos. Caminhamos, passeamos de barco, conhecemos praias, trilhas, restaurantes e pousadinhas. Reencontrei pessoas e lugares que eu não via há 25, 30 anos. Amigos da adolescência, gente que eu não via há tanto tempo. Me surpreendi pois quando eu frequentava, entre 1979 e início dos anos 80, a ilha não tinha quase nada… especialmente na Encantadas, onde agora tem pousadas, bares e restaurantes, e que naquela época era deserta. As coisas mudaram muito, mas o astral a ilha é o mesmo.

Na volta, domingo, o trajeto de barco até Pontal foi ainda mais lindo. Com sol e céu azul-profundo. Passamos em Paranaguá para almoçar e visitar o Porto. Pena, as visitas estão suspensas por causa da gripe. (A gente queria muito fazer aquele tour pelo porto, então prometemos retornar. Também faltou visitar a Fortaleza na Ilha do Mel, por isso, com certeza devemos voltar assim que der).

Ainda em Paranaguá, passeamos de carro pela cidade para ver as construções históricas. Explicamos que ali nasceu o nosso estado, é a cidade mais antiga, onde tudo começou, de onde saíram os portugueses pra subir a Serra e fundar Curitiba, no ponto onde pararam e encontraram índios acolhedores. Mas… que tristeza. A estação de trem, tão linda…. largada, destruída. Lixo para todo lado. Pintura descascada, lâmpadas quebradas, sujeira, lugar onde mendigos dormem e fazem fogueiras e deixam marcas de depredação. Só abre nos horários que chega e sai o trem turístico. Outros prédios antigos, incríveis, maravilhosos como o liceu Escola Normal, e outros que vimos… todos largados, sem cuidado, sem restauro. Vontade de chorar.

Pra encerrar, a volta pra Curitiba pela BR, no fim da tarde. Seguindo a linha “somos turistas”, paramos pra comer pastel na serra. Tudo estava ótimo, até a gordura que pinga do pastel pelando, queimando a língua, recheado com muita banana, tudo faz parte do programa. Mas aí, vem o final melancólico e revoltante.

A fila imensa para pagar o  pedágio. Lenta, demorada…. E o preço? Eu e meu marido demos um pulo no banco do carro ao ler a placa. Doze reais e cinquenta centavos por aquele trecho de pouco mais de 80 km? Como assim?

Confesso, estava desinformada. Eu sabia desse valor absurdo, mas tinha deletado, via memória seletiva. De repente, parados ali naquela fila, com o choque do preço do pedágio ecoando pelo cérebro, o sol se pondo, a cidade tão pertinho, logo ali adiante… a ficha foi caindo. Tudo fez sentido. Fiquei olhando os semblantes das pessoas nos outros carros. (Dá tempo de sobra: além de pagar um monte de dinheiro, você tem que ESPERAR NA FILA PARA PAGAR e chegar em casa). Todo mundo bovinamente na fila. Rostos cansados, crianças com sono, gente que passou o dia aproveitando o sol na praia. A fila lerda, lenta. Todo mundo pagando e passando. Pagando caro para passar, para ir e vir. Uma fila de patos. Uma fila de gado indo pro abatedouro. Uma fila de contribuintes passivos. Assim somos, os paranaenses. A gente não reclama, paga.

Lembrei então porque há tantos anos a gente vai pra Santa Catarina todo verão, todo feriado, todo fim de semana que consegue. Todas as diferenças fizeram sentido. Não é só o preço do pedágio – é toda uma mentalidade. Lá, as praias que frequentamos não vivem só de temporadas, de turistas passageiros.

As pessoas moram nas vilas, nas cidadezinhas, nas comunidades. Gostam de viver ali, e cuidam do que têm. Jardins são coloridos e limpos, fachadas de casas são pintadas, mesmo as mais humildes. As donas de casa varrem o quintal. Homens pintam muros, consertam suas casas. Morros são verdes, não se junta lixo nas calçadas, não se joga entulhos nem restos pelos terrenos. O comércio existe o tempo todo. A lojinha, o mercadinho, a farmácia, a padaria, estão sempre lá, com os donos atrás do balcão. Não há dezenas de placas de Vende-se nem montes de imóveis abandonados ou sujos. A impressão é que as pessoas dão valor para o que têm. Cuidam da natureza, do patrimônio, do seu negócio e da sua moradia, por mais simples que sejam. Os turistas que chegam percebem isso e cuidam também. E voltam.

Amo Curitiba. Nasci aqui e gosto da cidade. Crio meus filhos aqui. Tenho orgulho de mostrar as coisas bacanas do Paraná para eles e para os amigos de fora. São muitas! Ilha do Mel, Antonina, Morretes, Paranaguá, a Graciosa, Guaraqueçaba, a baía, para começar. Canyon Guartelá, Purunã, Campos Gerais. Comunidades fundadas por imigrantes. A natureza, rios e cachoeiras no interior. E tantas outras coisas que não lembro agora.

Mas me deu, já, uma certa dúvida – se vamos voltar tão logo pra conhecer o Porto, o forte da Ilha do Mel, passar mais tempo na linda Antonina. Ou se no próximo feriado, na próxima oportunidade, vamos de novo pra nossa vilazinha lá na praia de Santa Catarina, a três horas e meia de viagem, em vez da hora e pouco que se gasta pra descer pro nosso litoral. As crianças, que com quase 12 anos não têm nada de bobas, muito pelo contrário, perguntam como pode um preço desses no pedágio, tão diferente dos valores implantados há pouco tempo na estrada pra SC. Eu não sei explicar. Ou não quero. Nem meu marido. Dá angústia, dá vergonha. Tanta coisa linda aqui no nosso Paraná – e tanto abandono, descaso, exploração. A gente para na cabine, paga e passa em silêncio.

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