8:39Pequeno inventário de um gênio das redações

Há tempos o beque aqui queria publicar a história abaixo, brilhantemente c0ntada pelo jornalista José Sérgio Rocha, que não conheço, mas compartilho a honra de ter trabalhado com este João José Rath, que se foi há um tempo, mas ficará para sempre. José Castelo escreveu sobre ele no livro “Inventário das Sombras”. Resumindo: um escritor que não escreveu livro. Um gênio das redações, um artista da vida. Convivi quase um ano com ele na redação da revista Placar em São Paulo. Eu, estagiário, tropeçando nas palavras faladas e escritas. Um dia ele pegou um gororoba que eu tinha produzido, olhou e disse: “Saroyan, Willian Saroyan. Dê uma olhada nesse aí”. Só fui encontrar o grande escritor vários anos depois. Amor à primeira leitura. Escrevi até uma pagineta para o Rascunho e, tempos depois, o chapa Rogério Pereira me aparece com uma carta de um senhor que dizia: quando o Roberto vier a São Paulo, se quiser, pode vir na minha casa que eu tenho toda a obra do Saroyan. Era um recado do Ignacio de Loyola Brandão. Em 1977, quando o Corinthians foi campeão paulista depois de um jejum enorme, a revista tinha preparado um especial, onde colaborei conseguindo um texto de Dom Paulo Evaristo Arns. No dia do segundo jogo contra a Ponte Preta, no Morumbi, fui escalado para assistir ao jogo e ir a campinas caso a Macaca ganhasse. A revista especial estava toda pronta, um espaço aberto ficou só para o jogo, realizo à noite, no meio da semana. Quando voltei ao prédio da Editora Abril, na Marginal, no saguão, ao abrir o elevador, me sai o Rath carregando uma máquina de escrever com uma folha em branco. Perguntei o que tinha acontecido. Ele tinha feito o texto sobre a conquista, mas, não se sabe por quê, entre a redação e a gráfica, a coisa tinha sumido. O senhor de cabelos compridos estava indo escrever ao lado das rotativas, que tinham horário para rodar o especial que deveria chegar às bancas de São Paulo ainda naquela madrugada. O outro texto, contudo, foi encontrado. E tudo deu certo. Depois de ser injustamente demitido da Placar, coisa que o senhor Juca Kfouri vai se lamentar até o fim da vida, pois foi o responsável, Rath voltou para O Globo, onde já tinha trabalhado. Fechava a primeira página. Um dia, conversamos ao telefone. Foi a última vez. Ele me contou que um dia tinha passado em Curitiba. Eu dei-lhe um esporro, por não ter me procurado. Ele tinha que tinha sido uma passagem muito rápida, que não tinha saído do aeroporto – e nem sairia, mesmo que pudesse. Perguntei o motivo: “Eu tenho medo de entrar numa daquelas canaletas e nunca mais sair”, respondeu.

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.