11:01Que fim levaram, Jérson?

de Dante Mendonça, publicado hoje no jornal “O Estado do Paraná” (www.paranaonline.com.br):

 Enquanto o Sindicato das Empresas de Publicidade Externa do Estado do Paraná prepara ação judicial para questionar a constitucionalidade do projeto de lei que torna obrigatória a tradução de palavras estrangeiras, em homenagem ao governador Roberto Requião dedico o seguinte trecho do livro Curitiba: melhores defeitos, piores qualidades.

Com o passar do tempo, e de geração em geração, uma cidade vai perdendo e transformando seus signos. As referências de costumes, linguagens, paisagens, moradias e, o mais lamentável, os referenciais humanos. E que assim seja, com ou sem saudosismos.

Referências que perdem o sentido de uma década para outra são bem percebidas numa cidade como Curitiba, que a cada dia que passa faz o nosso Vampiro mais se lamentar:

“Ai, ai de Curitiba, o seu lugar não será achado daqui a uma hora”.

Nas Lamentações de Curitiba, de 1968, Dalton Trevisan já se referia a uma cidade que passaria dos seus limites:

“Não temas, ó cidadão de São José dos Pinhais, nem tu, pacato munícipe de Colombo, a besta baterá voo no degrau de tuas portas”.

Curitiba foi, não é mais. Em busca da Curitiba perdida, seria ainda Dalton Trevisan uma referência de Curitiba? Foi, não é mais, perguntem pelo Vampiro de Curitiba num dos bares da moda:

– Conheço, fui apresentado a ele no halloween do ano passado!

Mesmo se aquele pardal fanhoso de condomínio fechado fosse apresentado ao próprio Dalton Jérson Trevisan, de CPF e RG no bolso, causaria assombro:

– Quem, este é o Vampiro de Curitiba? Sai desse corpo que não é teu!

De espanto, o pardal fanhoso se faria pomba-gira!

Não sintam pena de Dalton Trevisan, sintam pela cidade que perde suas referências. Mas onde o Vampiro de almas agora garimpa personagens como o João casado com Maria?

“João era bom, era manso e Maria era única, para ele não havia outra: mudaram-se do Juvevê para o Boqueirão, onde nasceu sua terceira filha.”

Sintam o que fizeram com o Vampiro: o Juvevê era ali tão pertinho, o Boqueirão naquela lonjura. Dizem que a obra do Jérson não se renova, pudera! Onde buscar novos personagens, assim tão distantes?

***

Nesta Curitiba dos shoppings, qualquer semelhança com a anterior é mera coincidência. Nossos símbolos agora se chamam pins, os viados são gays, as comidas frias, brunchs, e os elencos de cinema, castings. Os meninos liam gibis em vez de comics, os estudantes colecionavam posters crendo que eram cartazes. Nas academias fazem “aeróbica”, aquilo que os abobados do Colégio Estadual acreditavam que era ginástica.

No Parque Barigui já não correm, porque quem corre é ladrão, fazem footing. Praticamos rappel e rafting e, em lugar de acampar, fazemos camping. Claro, Curitiba tinha lá seus defeitos, mas ninguém chamava isso de handicap. Já não dizemos biscoito, mas sim plum-cake; toicinho há muito que é bacon, embora a gordura seja a mesma. As mulheres não usam calcinhas, sim panties; e os homens não utilizam cuecas, mas sim slips. Os universitários não estudam, fazem masters e nunca conseguem estacionar, porém sempre encontram um parking.

O mercado é o marketing; o autosserviço é self-service e o representante, o manager. Os importantes são vips, o radinho de pilha é walkman, os postos de venda são stands, os executivos, yuppies, e as babás são baby sitters. No centro da cidade os empresários não fazem negócios, fazem business; na Cidade Industrial, o chefe está sempre em meeting ou em brain storms, quase sempre com a public relations, enquanto a secretária envia mailings e organiza trainees.

As meninas da cidade, que ainda são bonitas e dançam bem, agora são top models. Pegamos tickets para comer sandwiches, vamos ao pub e não ao boteco, onde até na favela chamam o arcaico aperitivo no fim do expediente de happy hour.

Que fim levaram as palavras, Jérson?

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3 ideias sobre “Que fim levaram, Jérson?

  1. Pé Vermelho

    É…coisa de se pensar. Mas não é questão legislável. É coisa cultural. Os franceses, lí, abominam estrangeirismos. Já, nós, brasileiros, americanizamo-nos. Ou nos esforçamos para isso. O duro é ver num barraco da Vila Fuck, um papelão ostentando: Istaile Rair. It’s the hanus of the thapir, como diria Joel Santana, ou então É o cú da anta, como diria eu mesmo!

  2. -Noviski-

    Exijo uma lei que traduza também as palavras de origem tupi-guarani e africana! Quero saber se a indiarada não tá me enrolando ou sacaneando com estes nomes tupiniquins/zulus!
    (Obs.: Zé, não se pode mais escrever Vila “Fuck”. Dá multa!).

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