17:24No olho do furacão que detonou a sucursal da Folha de Londrina

por Bia Moraes

Como muitos de vocês já devem estar sabendo, acaba de acontecer um grande corte na redação de Curitiba da Folha de Londrina. Tivemos duas reuniões, uma com o pessoal da manhã, outra à tarde.
 
Dos 34 jornalistas e fotojornalistas, 17 foram demitidos. O caderno Folha Curitiba acabou. A redação volta a ser uma sucursal de Londrina, sem editores na capital. O material produzido aqui será enviado e editado pela redação da sede da Folha de Londrina.
 
O caderno Folha Curitiba tinha cerca de dois anos. Projeto da Drica, a Adriana de Cunto, chefe de redação daqui de Curitiba, que veio de Londrina,contratou e montou a equipe, e batalhou até o fim para mantê-la. Sim, pois a decisão vem do dono do jornal, José Eduardo Andrade Vieira, respaldada por outros setores da empresa, e também pelo diretor de redação de Londrina, Oswaldo Petrin – que disse lamentar muito o ocorrido, mas que até onde sei, nada fez para mudar ou reverter a situação.
 
Uma equipe extraordinária, inigualável, está sendo dispensada. Um projeto de jornalismo está sendo desmontado, desvalorizado e desconsiderado. Dificilmente se reunirá novamente, em uma redação do Paraná, tantos talentos, com tanta liberdade de expressão jornalística. Uma mistura incrível de gente jovem, com alguns veteranos (eu incluída, já com meus 18 anos de estrada no jornalismo local), e principalmente, uma união, uma garra e uma vontade de fazer jornalismo como quase não se vê.
 
Trabalhei em outras redações. Acompanhei a evolução – ou involução – do jornalismo impresso e posso dizer – do que conheço e vivi dessa área, inclusive como correspondente do Comunique-se – que não se faz mais jornalismo aqui no Paraná como vinha se fazendo na Folha Curitiba. Pautas diferentes, com foco em valores humanistas. Repórteres que fuçam, buscam, saem da redação, revelam personagens, vão atrás do assunto, olham nos olhos do entrevistado, vão aos locais e reportam suas experiências em belos textos.
 
Com todo respeito aos demais colegas de outras redações, onde tenho dezenas de amigos e conhecidos: sei que existem talentos e gente muito boa em todas as redações. Mas sei também que, com exceções, impera o jornalismo de telefone, de internet. Sei que a maioria – desculpem o termo, mas é real – literalmente não tira a bunda da cadeira. Cumpre suas cinco horas de redação, ou muito mais horas no caso dos editores e chefes, e trabalha assim por imposição, tanto das empresas e patrões, quanto do padrão de jornalismo que infelizmente toma conta da mídia e desvaloriza a verdadeira reportagem, a essência do jornalismo. Nós não somos mais estimulados a fazer jornalismo e sim a sermos burocratas de redação.
 
Sei também que cada vez menos os jornalistas leem livros, revistas e outros jornais, ou mesmo seu próprio jornal. Ninguém “tem tempo” porque agora o tempo é devorado pela enxurrada de emails, pautas frias, dos tem-que-fazer, do tem-que-produzir-em-cinco-horas, e também, pela internet, telefone, messenger, blogs, redes sociais e torpedos de celular.
 
E ainda – infelizmente – quanta gente, quantos colegas, vêm se fechando em seu mundo, em seu círculo, em seu ir e vir de casa para redação e vice-versa, convivendo somente com os colegas da mesma redação. Gente que não conhece a cidade onde vive. Que não quer ir além de limites do seu bairro e dos seus muros reais ou virtuais. Jornalistas que não se interessam em conhecer gente, em andar pelas ruas, de ônibus, a pé, de bicicleta, em conversar de verdade, e não “conhecer o mundo” somente pelas tecnologias, que tanto nos ajudam e tanto nos bitolam.
 
Digo tudo isso porque sou teimosa, velha, bocuda, chata, ou sei lá o quê – e ainda defendo o bom jornalismo. E sei que tem muita gente que concorda comigo e compartilha essa postura, embora por imposição do mercado esteja obrigado a trabalhar de outra forma.
 
Chamem essa minha postura de jornalismo à moda antiga ou o que for. Não importa o rótulo. Não se trata de saudosismo, embora soe antigo valorizar certas coisas como cultura, livros, andar pela rua e conhecer pessoas. Tudo isso aplicado à nossa profissão.
 
No Caderno Ideias de sábado, na Gazeta, li uma frase (desculpem, escrevo ainda sob impacto de emoção e não recordo o nome do autor da frase), que resume meu pensamento. Internet traz informação somente. Cultura e conteúdo estão nos livros. Acrescentaria eu – nos livros e  também nas pessoas de carne e osso, e não somente em seus avatares tecnológicos e frios na internet, nas redes sociais, no celular, no telefone.
 
Porquê digo tudo isso? Porque na redação da Folha Curitiba vi jornalismo de verdade sendo feito por pessoas de verdade. Vi uma equipe excelente, unida, antenada. Vi gente trabalhando com vontade de fazer reportagem boa.
 
Digo porque vejo o empresário escolher cortar gente talentosa em vez de investir na estrutura, na logística, no produto jornal como um todo. A matemática do patrão diz que – se tem prejuízo, demite. A matemática, sob outra ótica, poderia dizer coisa bem diferente e apontar outras soluções. Como sabemos, e é uma das piadas do jornalismo – os números, quando bem torturados, podem dizer qualquer coisa. Inclusive o que a gente quer que eles digam (quantos de nós já cumpriram pautas direcionadas para corroborar resultados de estatísticas simplesmente, e não para investigar de verdade o que há por trás daqueles números?).
 
Quanto a mim. Fui chamada pela Drica em outubro passado e contratada em novembro. A ideia era substituir a coluna diária de Política que a Ruth Bolognese fazia e que agora está, com toda sua verve, em O Estado do Paraná. Mas por motivos internos essa coluna nunca saiu. Houve muita discordância entre minhas ideias e meu projeto de coluna política e a expectativa e as ideias da redação de Londrina. Então, cumpri algumas outras funções, entre reportagens especiais e cobrir ferias da coluna da Katia Michelle, até que emplacasse, com total apoio da Drica, meu projeto de uma coluna semanal no Folha Curitiba, que estreou há doze semanas.
 
A coluna Lado B tinha muito de mim. Da maneira como estou tentando ver o mundo, especialmente minha cidade e as pessoas que vivem aqui, que fazem coisas interessantes, que têm algo a dizer. O nome Lado B veio da vontade de fazer uma coluna que abordasse os temas e pessoas sob ângulo diferente das demais colunas: pelos bastidores, pelas frases jamais ditas, pelas revelações inusitadas, pelo lado que não se enxerga na mídia diária.
 
Tive total apoio da redação da Folha Curitiba, da minha chefe Drica, dos colegas. Tive também uma dificuldade que considero maravilhosa: não trombar com pautas e assuntos similares abordados pelos demais colegas de redação. Quantas vezes cheguei com ideias para a coluna, ou para outras matérias, que eu achava serem inéditas ou inusitadas, e deparava com a belissima realidade (sem ironia!!) de conviver com uma redação de profissionais bacanas – que já tinham tido a mesma ideia ou estavam cobrindo o mesmo assunto…
 
Trabalhar na Folha Curitiba me trouxe tudo que amo nessa profissão: ter que fuçar e catar assuntos, descobrir gentes e lugares, conhecer as novidades, levar luz a assuntos relegados a segundo plano. Ir atrás, ter jogo de cintura e não me acomodar. Ser repórter, enfim. E espaço para meu texto fora do padrão.
 
Foi uma oportunidade e tanto. Tive uma liberdade incrível para minhas ideias e sugestões. Liberdade para concretizá-las e vê-las publicadas em formato bacana, com belas fotos – alô fotógrafos maravilhosos e companheiros, Theo, Mauro, Marcão Borges, Diego, Leticia, obrigadissima! Que bela experiência conviver e trabalhar com vocês. E com a outra Leticia, minha paginadora, que desenhava a coluna com dedicação, criatividade, e paixão. Sem ela eu não teria chegado ao lay-out bacana que alcançamos na Lado B impressa.
 
Mas também, eu vinha cada vez mais discordando, ficando chateada e trombando com Londrina, especificamente com o direcionamento da chefia de redação. Por isso, eu já imaginava que meu ciclo aqui talvez fosse curto. Fiz papel de chata e bocuda mais de uma vez para a chefia da sede de Londrina. Me rebelei contra horários – acredito que colunista não pode ser amarrado a cinco horas dentro de uma redação – e não me deixei enquadrar.
 
Embora eu soubesse que a “lógica” das demissões obedeça a um critério financeiro – escolhem cortar quem tem mais tempo de casa porque são os que “custam mais caro” – eu tinha certeza que estaria na lista de cortes. Pela minha postura em relação a Londrina e pela proposta da coluna Lado B.
 
Estou triste pela perda, sim. A coluna vinha ganhando forma, linguagem, se firmando. O blog também, com excelente audiência dentro do Bonde. Mas estou muito mais triste, decepcionada e indignada pelo fim de uma história dessa redação incrível e do Folha Curitiba, pela desvalorização dos talentos, pelo desmonte da equipe.  Estou péssima pelos colegas repentinamente desempregados.
 
Quem me conhece há mais tempo sabe que sou safa, me viro, vou atrás e estou sempre agitando alguma coisa. Não fico parada e corro atrás das ideias nas quais acredito. Essa é mais uma etapa que chega ao fim, e logo devo começar outro ciclo. Ideias não faltam. O negócio é fé em Deus, pé na tábua e – também – o privilégio que tenho por ter uma família maravilhosa, e uma rede de amigos igualmente estupenda. Agradeço todos os dias por estar cercada de gente boa.
 
Muitos já me ligaram oferecendo ajuda, apoio, “o que podemos fazer”, etc. Respondo: há uma leva de gente boa que vai precisar de emprego, trabalho e oportunidades. Não cito nomes porque nesse momento de emoção corro o risco de esquecer alguns. E mais. Quem puder, passe adiante essa mensagem. Uma equipe muito boa, um caderno acima da média, um projeto inovador, acabam de ser desmontados. Vamos torcer para que todos encontrem espaço e que novas iniciativas como esta aconteçam em nosso jornalismo.

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10 ideias sobre “No olho do furacão que detonou a sucursal da Folha de Londrina

  1. mauricio cavalcanti

    Lamentável realmente. Infelizmente nossa imprensa está nas mãos de pessoas que somente vislumbram o lucro fácil e rápido e, o nosso sindicato nada faz, aliás, sabe fazer , e muito, festinhas.

  2. Fernando César Oliveira

    Sindijor-PR protesta contra 17 demissões na Folha de Londrina e tenta revertê-las na DRT

    Fonte:
    http://acordajornalista.blogspot.com/2009/06/sindijor-pr-protesta-contra-17.html

    A Folha de Londrina anunciou nesta segunda-feira (8/9) a demissão de mais da metade do seu quadro de jornalistas na sucursal de Curitiba. Dos 33 profissionais que trabalham na redação, 17 seriam demitidos, segundo a empresa.

    O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor-PR) já acionou a Superintendência Regional do Ministério do Trabalho no Estado (SRTE, antiga DRT).

    Uma mesa-redonda entre o jornal e o Sindicato debaterá a reversão das demissões na manhã da próxima segunda-feira (15/6), a partir das 11 horas, na sede da superintendência, localizada na esquina das ruas José Loureiro e Travessa da Lapa.

    Antes, às 13 horas desta quarta-feira (10/6), os jornalistas devem protestar na Boca Maldita contra a série de demissões. A categoria já havia agendado uma manifestação para essa data, em razão do julgamento, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), da ação que trata do diploma de jornalismo. Agora, o ato também servirá de protesto contra as 17 dispensas.

    Arbitrária e injusta, a medida configura dispensa coletiva, conforme a cláusula 36 da atual convenção coletiva de trabalho da categoria.

    “As demissões irregulares são a culminação de uma série de violações a direitos dos trabalhadores jornalistas pela Folha de Londrina”, diz trecho de nota divulgada pelo informativo diário “Extra-Pauta”, do Sindijor-PR.

    “Atrasos no reajuste salarial determinado por convenção e irregularidades nos pagamentos de horas extras (estas somente sanadas por acordo coletivo, formalizado em 2008) foram práticas usuais da empresa nos últimos anos.”

    Abaixo, a lista dos trabalhadores atingidos pela demissão coletiva anunciada pela Folha de Londrina:

    Editores
    Rodrigo Lopes – Esportes
    Elen Taborda – Cidades
    Maria Duarte – Cidades

    Repórteres
    André Amorim
    Letícia Correia
    Ivan Vilhena
    Karla Losse
    Denise Ribeiro
    Dimas Rodrigues
    Júlio César Lima
    Rafael Urban
    Bia Moraes
    Cláudia Polaci
    Tiago Alonso
    Carolina Gabardo

    Fotógrafos
    Letícia Moreira
    Mauro Frasson

    http://acordajornalista.blogspot.com/2009/06/sindijor-pr-protesta-contra-17.html

  3. jeremias bueno

    Bia:
    Parabéns pelas suas palavras e por seus sentimentos. São nobres.
    De seu leitor e admirador.
    Jeremias

  4. romildo josta

    Uma coisa que me chama a atenção nessas “demissões em massa” de jornais: o chefe sempre fica. Se tivessem vergonha, entregavam o cargo. Mas não: permanecem e ficam com aquela cara típica de quem mijou no mar. Agora, cara entre nós, autora do texto: o fato de você ter sido demitida não significa que todos os jornalistas da cidade ficam “com a bunda da cadeira”. Já sei, todos ficam com a bunda na cadeira, só os demitidos da Folha iam atrás da notícia. Aí já é demais.

  5. Carlos

    Bem lembrado Romildo. Nos anos 90 ia haver uma demissão em massa numa das televisões aqui de Curitiba. Porém, o diretor de jornalismo da emissora, o Valdir Cruz, deu o exemplo. Não demitiu ninguém e pediu o boné… A decisão dele repercutiu muito à época e o patrão em vez de demitir 30 como estava querendo, acabou cortando dez.

  6. Rafael Urban

    Bia,
    estou triste porque o projeto chegou ao fim.
    Mas muito feliz por ter feito parte dele.
    Te agradeço por ter caminhado nessa bela trilha conosco.

    Enorme abraço,
    carinho,
    Rafael Urban

  7. jornalista

    caro zé beto,
    me parece que a lista está incompleta.
    sugiro checá-la na redação.
    há pelo menos mais dois jornalistas demitidos (dos citados, dois são diagramadores).

  8. morgana

    vamos tirar o chapéu para o zé!!!
    essa foi, sem dúvida, sua maior obra …….
    agora, só resta fazer um bolão para ver quanto tempo mais vai durar este jornal…..que sem a sucursal curitiba, vira apenas um jornaleco de interior….
    que pena…..
    os monstros ainda estão a solta……assustando todo um estado com crueldades, burrices e ignorancias…
    e para os chefes que ainda ficaram na sucursal de curitiba…os meus sinceros parabens…
    assinaram um atestado de óbito perante a classe jornalistica de curitiba.
    que sejam felizes…se conseguirem engolir, dia a dia, a co-autoria das demissões.
    é a mesma coisa que andar a 190km/h bêbados…..

  9. kiko

    (…) “vira apenas um jornaleco de interior”. Mais preconceito. E depois os senhores falam em ética. Posso estar enganado, mas gente que acentua “prá” (sic) deveria ter um pouco mais de humildade. Pior, misturam o novo acordo gramatical com a velha regra no mesmo texto. Tomara que vocês encontrem uma oportunidade em outro jornal e que não seja um “jornaleco” sem expressão. Abraços!

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