8:15Encontro com os deuses na Baixada

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Ziquita – Foto de José Eugênio

Nunca foi craque, jamais será esquecido. A cada ano este senhor negro, agora de cabelos brancos, mas com o corpo ainda parrudo de um centroavante estilo “tanque” é mais idolatrado, principalmente por aqueles que nem tinham nascido há 30 anos. A bola é bola porque dotada deste poder milagroso de marcar para sempre na memória eterna daqueles que sabem disso um único jogo, resumido, no caso, a 13 minutos finais onde aquele camisa 9 fazia juz à sua não fama, não idolatria, pois era mais um atacante normal que vestia a camisa do Atlético Paranaense. Pouco mais de oito mil pessoas estavam presentes naquele estádio Joaquim Américo hoje referência apenas em memória, fotos e pequenos pedaços da demolição que fez surgir ali um outro, moderno, que o marketing batizou de Arena mas será para sempre o Caldeirão do Diabo, a Baixada. Um repórter cabeludo e barbudo estava dentro de campo, na lida para registrar mais um clássico. O Colorado tinha feito quatro gols, num surpreendente feito que deixava o técnico Mosquito com brilho nos olhos, e o tal repórter anotara isso numa lauda dobrada que carregava sempre no bolso de trás da calça jeans. Aos 30 o centroavante atleticano fez um; aos 35 outro; um minuto depois, o terceiro; e aos 43 empatou o jogo. Narrados assim, são tão frios quanto a tela de uma televisão onde se pode repetir sempre apertando um botão para se rodar o dvd, ou a fita de vídeo. Descrever como aquele momento iniciado com a bola, sempre ela, protagonista principal, estufando a rede num momento onde só quem está perto ouve o som característico, natural, não reproduzido pelos microfones hoje instalados pelas emissoras de tv? Talvez os movimentos de uma sinfonia que vai num crescendo até o final, onde tudo fica em suspenso: o corpo, coração, alma. No estádio, naquele estádio, naquele dia, houve isso e mais, porque o futebol mexe tanto com as entranhas de que o ama, que pode-se dizer tanquilamente sobre o momento, ou os momentos, no caso, de enloquecimento coletivo, onde seres humanos se despem da carapaça criada ao longo dos anos, e se entregam ao comando dos deuses dos estádios. Naquele dia, estes haviam escolhido este senhor que hoje está na cidade, de nome  Gilberto Souza Costa, para sempre Ziquita. O repórter anotou o tempo dos gols e também registrou que, com um pouco mais de tempo, seria possível mais um, quem sabe dois ou três gols. Conversou com o atacante no vestiário, como fazia sempre. Foi para a redação, escreveu a matéria, enviou-a por telex para a redação em São Paulo e no dia seguinte, já com outra missão, sobre o mesmo assunto, foi a um churrasco na casa do herói, localizada na mesma calçada da entrada principal do estádio, a pouco mais de 100 metros dali. Antes de escrever soube que o feito de Ziquita tinha merecido citação do gênico Nelson Rodrigues, que invocou o “Sobrenatural de Almeida” para falar a respeito. Quanto o Atlético completou 80 anos de vida, houve um reencontro entre o repórter e o jogador. O segundo não reconheceu o primeiro, sem barba, completamente careca, muitos quilos mais gordo. Houve um longo abraço. Ali, era o fã agradecendo ao ídolo por ter-lhe proporcionado, anos antes, a honra daquele momento mágico – que registrado, dentro do possível, ou seja, em alguns fragmentos do real, para uma revista nacional, que Ziquita diz guardar para como um troféu com o maior carinho.

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2 ideias sobre “Encontro com os deuses na Baixada

  1. Maringas

    Bons tempos aqueles, quando eu, Coxa-Branca desde o berço, não perdia nenhuma partida de futebol, não importando os times que estivessem em campo. Assistia os jogos junto dos amigos, independente de sermos coxas ou atleticanos; eramos amigos que gostavam de futebol. Existia rivalidade, mas longe de ser o “ódio” dos dias atuais.

    Estive na baixada naquela tarde de Ziquita, e devo confessar que vibrei com meus amigos quando ele empatou um jogo perdido e quase virou com aquela bola na trave.

    Na minha “memória futebolística” do ano de 1978 ficaram algumas imagens: o Gil (ponta do Botafogo) perdendo um gol feito no 0x0 contra a Argentina na Copa; o Belfort Duarte abarrotado 3 vezes seguidas com o Manga pegando tudo, inclusive o título; o Ziquita marcando 4 gols nos minutos finais da partida contra o Colorado e confirmando as sábias palavras do Vicente Matheus: “O jogo só acaba quando termina.”

    Bons tempos aqueles !

  2. Osdrovaldo

    Bom, como nosso amigo aí de cima, eu também sou coxa-branca e também estava naquele jogo (entrava de graça, com carteirinha da Federação, pois era menor de 12 anos). Fui com meus primos atleticanos e já estava saindo do estádio quando Ziquita começou a marcar… Lembro que no fim do jogo o clima era de êxtase total. Nunca mais vi tanta bugiganga jogada no campo. Tinha desde guarda chuva até rádios de pilha, passando por muitos sapatos e tênis…
    Felizmente ninguém me fotografou no meio dos atleticanos, e meus primos não lembram que eu estava junto.
    Imaginem o estrago em minha biografia de coxa branca…

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