7:38Zé Rodrix, adeus

Zé Rodrix será cremado hoje às 12h na Vila Alpina, em São Paulo. Será, de qualquer forma, nosso segundo encontro na vida. José Rodrigues Trindade, 61 anos, partiu ontem de madrugada. Nos encontramos a primeira vez  em 1976 num hotel no Centro Velho de São Paulo. Eu fazendo perguntas para a revista “Pop” para uma reportagem sobre o “rock brasileiro”. Estava, estou, estarei sempre contaminado pelo pó da estrada do disco “Terra”, dele com Sá e Guarabyra. Nos encontramos de novo agora porque no local da sua cremação, na minha infância havia uma gigantesco espaço livre de terra vermelha. Ficava bem ao lado do Colégio Estadual Mario Casassanta, onde, depois das aulas do curso ginasial, minha turma ia quebrar a bola ou, a outra, da rua onde nasci, ali perto, corria riscos em gransdes aventuras, principalmente a dos mergulhos numa pequena lagoa que o “progresso” enterrou há muito. Este Zé, que compôs, cantou e gravou obra marcante, seguiu carreira de publicitário, porque também era fera nisso. Ficará para sempre na correnteza deste rio vida. Segue o texto que um amigo do blog descobriu e enviou. Supostamente é um”obtuário” escrito por ele mesmo, Rodrix, em junho de 2004, como resposta a um questionário:

Felipe:

Em resposta a seu completíssimo questionário passo-lhe às mãos minhas especificações para passamento e eventual necrolgio.

Há alguns anos, gostaria de ter a causa-mortis preferida de meu pai: assassinado aos 98 anos de idade com um tiro dado por um marido ciumento que o tivesse pego em pleno ato… mas hoje n´~ao mais. Pode ser de fulminante ataque cardíaco, dentro da minha biblioteca, perto o suficiente da família e dos amigos, mas afastado o bastante para que, alertados pelos cachorros da casa, já me encontrem morto, com um sorriso nos lábios.

Pode sepultar-me em pleno mar, sob a forma de cinzas, já que não poderei ser sepultado in totum no jardim da minha casa. Se conseguirem isso, no entanto, que não cobrem entradas para visitação, à moda do irmão da princesa: deixem que além das pessoas, os passarinhos e os animais da casa se refestelem no lugar, renovando diariamente o eterno ciclo da Natureza.

Ao enterro devem, através de convite formal, comparecer todos que foram aos meus lançåmentos de livro: nada mais parecido com um velório do que isso.

Peço parcimonia nos efluvios emocionais: já as risadas devem ser francas e sem limite. Creio inclusive que prepararei com antecedência uma fita de piadas gravadas para animar o velório e manter o pessoal na boa.

Como dizia o Bozo, “sempre rir, sempre rir….”

Lá só deixarei a mim mesmo: mesmo os inimigos que comparecerem para ter certeza de que estou realmente morto podem voltar para casa em paz. Nao pretendo puxar a perna de ninguém à noite e nem assombrá-los depois de morto.

Já os amigos podem contar comigo: havendo vida após a morte, volto para avisar, da maneira mais prática e menos assustadora que me for possivel. A cremação deve ser feita depois que todos forem embora cuidar de seus próprios afazeres: enfrentar as chamas do forno terrestre ja será um grande introito para a vida eterna.

Se conseguir, tentarei ser crooner da grande Orquestra de Jazz doInferno, vulgarmente chamada de SATANAZZ ALL-STARS: como já vou chegar lá tenente ou capitão, dada a minha imensa taxa de maldades realizadas sobre a Terra, creio que não será dificil. Meu castigo certamente será cantar MPB por toda a eternidade, mas mesmo com isso ainda se pode encontrar algum prazer, assim na terra como no inferno….é o que veremos a seguir.

No enterro podem tocar de tudo, menos as músicas que eu tenha feito. Minha morte servirá certamente para que se livrem não apenas de mim mas também de minhas obras. Os herdeiros também não merecem ouvi-las, sabendo que nada herdarão de minha lavra, porque, sendo eu adepto da politica do VAI TRABALHAR, VAGABUNDO, como meu pai fez comigo, ja tomei providências para que essas músicas não lhes rendam nem um tostão furado. Sendo um velório moderno, recomendo músicas de carnaval antigo, as indiscutíveis, claro, com algumas discretas serpentinas e confetes jogadas sobre o caixão, fechado, naturalmente.

Morrer num sábado à tarde, ser enterrado num domingo antes do almoço, e estar completamente esquecido na manhã de segunda, sem atrapalhar a vida profissional de ninguém: eis a perfeição que desejo na minha morte.

Muito grato.

Beijos
Zé Rodrix
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2 ideias sobre “Zé Rodrix, adeus

  1. Pé Vermelho

    Mai Gudi – Além de exelente músico, era ótimo cronista. Grande perda!

  2. FabianoUm

    Z.Rodrix aqui esteve, numa fria noite de julho, em 2003, para proferir uma palestra no auditório localizado no Parque Barigui (que não me recordo o nome), a respeito de seu livro “O Diário de um Construtor do Templo”. Daquela noite inesquecível, eu guardo o autógrafo no livro que eu já tinha, todo marcado com caneta marca texto e com as bordas das páginas cheias de anotações. Confesso que fiquei com vergonha de entrar na fila para pedir o referido autógrafo, porque meu livro estava em condições precárias… Mas ele pegou o livro e disse: esse é o maior orgulho de um escritor, ver que o livro foi lido.
    Que nada, Zé… O orgulho é todo meu!!!
    Sujeito fantástico, de uma humildade impressionante. Um grande Irmão, Irmão dos Irmãos de sua Loja…
    Se foi cedo para o Oriente Eterno, uma pena. Nos deixa um legado de obras fantástico e recheado, restando apenas a lembrança de sua diminuta imagem. Porque Zé Rodrix era pequeno de estatura e grande de coração e competência.

    Que Deus, o Grande Arquiteto do Universo, o guarde e o ilumine…

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