5:45A devastação do crack

Publicado hoje no jornal Gazeta do Povo, em reportagem de Mauri König:

Subproduto da cocaína, surgido nos subúrbios dos Estados Unidos, o crack entrou no Brasil no final dos anos 1980 e hoje está fechando o cerco no Paraná. Já encontrado em pelo menos 193 dos 399 municípios do estado, ele avança mais rápido do que a cocaína (presente em 241 deles) e está prestes a superar a maconha, que só não chegou a 16 cidades paranaenses segundo o Narcodenúncia 181, programa que inclui as apreensões das polícias Militar, Civil, Federal e Rodoviária Federal. Como o volume retido representa apenas uma parte da droga em circulação, a abrangência do crack pode ser maior. Em cinco anos ele triplicou sua área de cobertura, que era de 59 municípios em 2004.

De acordo com o Narcodenúncia, o Paraná apreendeu 4,1 milhões de pedras entre junho de 2003 e o último dia 31. Foz do Iguaçu é o maior polo irradiador do crack, subproduto da cocaína vinda da Bolívia por intermédio do Paraguai. As BR-277 e 369, principais caminhos das pedras no Paraná, fazendo chegar a droga aos três maiores mercados consumidores do estado. A 277 liga Foz a Curitiba; a 369, a Londrina e Maringá. Só uma parte dos carregamentos chega ao destino final. O restante vai sendo distribuído em diversas cidades na área de influência das rodovias ou acaba retido em apreensões ao longo do trajeto.

O crack deixou de ser um problema de cidade grande. Os traficantes estão buscando novos clientes também nas menores cidades do Paraná, como Uniflor, de 2,5 mil habitantes, no Norte do estado, onde houve apreensão de 44 pedras. A droga e os riscos que ela representa chegaram ainda a muitas cidades cuja população não alcança 10 mil pessoas, entre elas Janiópolis (345 pedras apreendidas), Guairacá (43), Tapira (37) e Itambaracá (11). Os números não impressionariam não fosse a reduzida população dessas localidades interioranas e os indícios de que o volume apreendido representa uma mínima parte do que está em circulação.

O crack tomou conta dos bolsões de pobreza das grandes cidades brasileiras, Curitiba entre elas. Seu avanço tem sido mais veloz do que qualquer outra droga e não demorou a se expandir para o interior e a bater na porta de gente mais abastada. Vem rompendo as barreiras sociais e disputa espaço com a maconha e a cocaína entre usuários da classe média. O consumo cada vez maior entre os jovens da classe média põe fim ao mito de que o crack é uma droga de miseráveis. É a favorita entre as populações marginalizadas, mas não distingue nível social.

O fácil acesso e a fama de estimulante seis vezes mais potente que a cocaína instiga a curiosidade de usuários de outras drogas. A diferença é que, ao contrário de outros entorpecentes, o crack vicia mais rápido. Os efeitos físicos e psicológicos são devastadores, mas não é só isso que abrevia a vida. Os usuários vivem sob risco de morte pela polícia, já que o crime é a principal fonte de dinheiro para comprar a pedra, ou são eliminados pelos traficantes quando se tornam incômodos. Uma estatística puxa outra e, juntas, elas medem os efeitos negativos das drogas.

Em Curitiba, 95% das 1,1 mil crianças que vivem em 65 abrigos têm pais dependentes de crack. Em termos nacionais, seus usuários representam metade dos internados em clínicas para dependentes de álcool e drogas no país, segundo estudo coordenado pelo psiquiatra Félix Kessler, vice-diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da Associação Brasileira de Estudos sobre Álcool e Drogas (Abead). E o problema começa cedo. Em Curitiba, 80% dos 2.972 jovens que passaram pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator (Ciaddi) em 2008 admitiram fazer uso de entorpecentes.

Para a Secretaria de Segurança Pública do Paraná, 80% das mortes na capital estão ligadas ao tráfico de drogas, o que alimenta outra estatística. O Brasil ocupa o quinto lugar entre os 83 países onde há dados sobre a morte de jovens. No ranking nacional, Curitiba é a 206º em homicídios, subindo para o 104º lugar quando só se compara a morte de jovens. Já o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, organizado pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, mostra que na capital paranaense o número de homicídios juvenis subiu quase 60% em quatro anos, de 239, em 2002, para 382 em 2006.

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.