por Osman Gadoso

Peixes

Além do peso do corpo, carregava os da alma, coração e cabeça. Trancado no triplex há vários meses, o contato com o mundo exterior era a tela do computador. Os telefones foram desligados. Não havia dúvida existencial. Ele tinha certeza de que mais cedo ou mais tarde alguém iria dar a descarga final. Acordou um dia com o barulho da chuva e ao abrir a janela viu o mar. Não sabia como! Nada de carros, de prédios, apenas muito mato, árvores, algumas flores, areia, ondas, navios passando ao largo e poucas pessoas com a tranquilidade espelhada nos rostos. Viu o brilho dos olhos ali, nem ligou para as roupas surradas e os corpos sem as calorias vendidas nos hipermercados. Saiu para caminhar como alguma força estranha o tivesse impulsionado. Atravessou de um lado para o outro da ilha. Viu o mar aberto e um morro com cruz protegendo o lado de uma imensa praia. Subiu. Uma mini-capela abrigava dos ventos, lá em cima, as imagens de São Francisco, Nossa Senhora Aparecida, Jesus Cristo. Adiante, uma ponta do morro com tapete de grama avançava para o mar. Já tinha visto aquilo. Teve a exata sensação de estivera ali. Sentiu atravessar alma tudo o que os olhos alcançavam. Abriu os braços para receber mais daquela dose. Desceu, entrou no mar sem nenhuma peça de roupa. Conversou com Iemanjá embaixo da água que estava numa temperatura perfeita. Se sentiu como ser humano. Estava pronto para tudo. Retornou para retornar sempre.