7:56Carta a um Jobim fora do tom

Circula entre os oficiais do Exército a seguinte carta enviada pelo General de Exército Luiz Cesário da Silveira Filho, que no dia 13 de março deixou o Comando Militar do Leste e foi para a Reserva:

Tomei conhecimento de sua entrevista, publicada no Jornal do Brasil em 15 de março de 2009, na qual o Senhor responde à pergunta de como pretende administrar a insatisfação de alguns generais em relação a algumas diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa.

Por considerar no mínimo deselegante para comigo e para com os integrantes da Reserva das Forças Armadas a sua resposta de que “o general que declarou a insatisfação não tem nada a administrar porque é absolutamente indiferente, foi para a reserva, se liberou”, é que resolvi considerar a possibilidade de consignar esta resposta.

Sei que o Senhor não leu as minhas palavras de despedida do Comando Militar do Leste. O Sr. estava fora do Brasil, em reunião do conselho da UNASUL, o pacto de Varsóvia de “sandálias de dedo”, que o Sr. conseguiu criar, em peregrinação política, utilizando o prestígio do Exército Brasileiro como fonte estimuladora. Nesta criação, já começa a despertar a falta de percepção estratégica, agora confirmada na insidiosa Estratégia Nacional de Defesa (END), à qual me oponho, por convicção e conhecimento.

Indago-me: como pode alguém, que se considera estrategista, pensar em criar um Conselho Militar no continente americano, ignorando a maior potência mundial nele situado, nosso aliado histórico, os Estados Unidos da América, que conosco combateu na Segunda Grande Guerra?

Há que se salientar que o continente americano já possui fórum, historicamente eficaz, a OEA, semelhante ao que o Sr. criou e que pretende tenha relevância. A UNASUL, integrada, em sua maioria, por países de ínfimo poder nacional, fatalmente, será desviada de sua atividade original e transformada em palco para declarações tronituantes, emitidas por personalidades histriônicas, que, sem dúvida, agravarão as dificuldades que já impuseram ao processo da liberdade e da democracia na América do Sul.

Mas este é um outro assunto…

Volto ao meu pronunciamento na Solenidade da Passagem do cargo de Comandante Militar do Leste. Nele, relembro as palavras do saudoso Ministro do Exército, General Orlando Geisel, que afirmou: “os velhos soldados se despedem, mas não se vão”.

Sou um general com 47 anos de serviço totalmente dedicados ao meu Exército e ao meu país. Conquistei todas as promoções por merecimento. Fiz jus à farda que vesti. Não andei fantasiado de General. Fui e continuarei a ser, pelo resto de minha vida, um respeitado chefe militar. Vivi intensamente todos os anos de minha vida militar. Fui, sempre, um profissional do meu tempo.

Amadurecido e alçado ao mais alto posto da hierarquia terrestre, acompanhei, por dever, atentamente, a evolução do pensamento político-estratégico brasileiro, reagindo com as perspectivas de futuro para a minha Instituição, na certeza de que a história do Brasil se confunde com a história do Exército.

Vivemos, atualmente, dias de inquietude e incerteza. Sei que só nós, os militares, por força da continuidade do nosso dever constitucional, temos por obrigação manter a memória viva e a trajetória imutável da liberdade no Brasil. É, por este motivo, que serei sempre uma voz a se levantar contra os objetivos inconfessáveis que se pode aduzir da leitura de sua Estratégia Nacional de Defesa.

Ela está eivada de medidas, algumas utópicas e outras inexeqüíveis, que ferem princípios, contrariam a Constituição Federal e tendem a afastar os chefes militares das decisões de alto nível. Tal fato trará consequências negativas para o futuro das Instituições Militares, comprometendo, assim, o cumprimento do prescrito no artigo 142, da Constituição Federal, que trata da competência das Forças Armadas. “Competência para defender a Nação do estrangeiro e de si mesma”.

Em época de grave crise econômica, como a que atinge o país, apesar das tentativas de acobertá-la por parte do governo ao qual o Sr. serve, os melhoramentos materiais sugeridos serão, obviamente, postergados. Mas, o cerne da estratégia e suas motivações políticas poderão ser facilmente implementados.

É clara, nela, a intenção de se atribuir maiores poderes ao seu cargo de Ministro da Defesa, dando-lhe total capacidade de interferir em todas as áreas das Forças Armadas, desde a indicação de seus Comandantes, até a reestruturação do Ensino e do preparo e emprego das Forças.

O Exército Brasileiro sempre foi um ator importante na vida brasileira, e, ao longo da história, teve o papel de interlocutor, indutor e protagonista. 

Desconheço a importância dos Gabinetes Civis (Sinimbu, Ouro Preto e outros), apresentada pelo Sr., em um discurso sem fundamentação histórica, que muitas vezes ouvi, bem como a sua relevância para o Império e o Brasil. Talvez, o discurso tente justificar, por similitude, a importância que o Sr. quer atribuir a um civil para gerir os interesses das Forças Armadas.

Pela confiança que inspiramos, a sociedade brasileira nos concede, como o Sr. mesmo reconhece em sua entrevista, 84% de prestígio. Tal índice é atribuído a nós, integrantes das Forças Armadas, que estamos sempre junto ao povo, nos quatro cantos do país, nos momentos de alegria e de tristeza. É um índice só nosso, instituições integrantes do aparelho do Estado Brasileiro. Não pertence ao Ministério da Defesa, órgão administrativo do Governo Brasileiro.

Confiança não se impõe, se adquire. 

A Nação inteira sabe que nunca fomos um intruso na história do Brasil. Nunca quisemos o poder pelo poder. As nossas intervenções na vida institucional do país, sempre por solicitação da sociedade, foram para a correção dos desvios que a trajetória da liberdade democrática do Brasil tomava.

Vejo, atualmente, com preocupação, a subvalorização do Poder Militar. Desde a Independência do Brasil, sempre tivemos a presença de um cidadão fardado integrando a mesa onde se tomam as mais importantes decisões do país.

A concepção ressentida da esquerda, que se consolidou no poder político a partir de 1995, absorvendo as idéias exógenas do Estado Mínimo e da submissão total do Poder Militar, mantendo “a chave do cofre e a caneta” em mãos civis, a fim de conseguir a sua subserviência ao poder político civil, impôs a criação de um Ministério destinado a coordenar as três Forças Armadas. Isto não se fazia necessário, no estágio evolutivo em que se encontrava o processo político brasileiro. 

Em um governo, à época da criação do Ministério da Defesa, constituído por 18 ministérios, nos quais pelo menos cinco eram militares, foram substituídos, estes últimos, por um ministério que, por desconhecimento de seus ocupantes (até hoje, nenhum Ministro da Defesa prestou sequer o Serviço Militar Obrigatório, como soldado), tem apenas deslizado no campo da política. Quando resolve incursionar no campo da estratégia, desconhecendo a opinião dos profissionais militares, consegue, além das preocupantes motivações políticas embutidas em seu texto, estranhas concepções que podemos classificar, ao menos, como excêntricas. Listo algumas das conceituações contidas na END para sua apreciação:

– Parceria estratégica nas áreas cibernética, espacial e nuclear, particularmente com os países de Língua Portuguesa e outros do entorno estratégico nacional, ou seja, com países de grande carência tecnológica (como Bolívia, Paraguai, São Tomé e Príncipe, Angola…), o que se torna inviável devido à escassez de recursos humanos e financeiros desses países;

– Desenvolvimento de um sistema de satélites espaciais semelhante ao sistema GPS, coisa ainda não conseguida, nem suportada economicamente, em conjunto, pela Comunidade Europeia;

– Utilização de conceitos esdrúxulos de “operação unificada” e “todo o exército como vanguarda”;

– Preconização de necessidade de acesso das classes trabalhadoras às escolas de formação militares, mostrando que os formuladores da END desconhecem a origem e o perfil dos jovens sargentos e oficiais que, em concurso público, sempre aberto a todos os brasileiros, sem cláusulas excludentes de classes sociais, ascendem por seus méritos individuais.

Para não ser enfadonho, limito a listagem exótica por aqui.

Estou convencido que afastar-nos da mais alta mesa de decisão do país foi uma estratégia política proposital, o que tem possibilitado, mais facilmente, o aparelhamento do Estado Brasileiro rumo à socialização, com a pulverização da alta administração do país, atualmente, em 37 ministérios e, apenas um, pretensamente, militar.

A expressão militar deve ser gerida com conhecimento profissional, pois ela é um componente indissolúvel do Poder Nacional. Sem a presença de militares no círculo das altas decisões nacionais, temos assistido a movimentos perturbadores da moral, da ética e da ordem pública intentarem contra a segurança do direito, aspecto basilar em um regime que se diz democrático. 

Tal fato traz, em seu bojo, condições potenciais de levar o país rapidamente a uma situação de anomia constitucional, o que poderá se configurar em risco de ruptura institucional.

Até onde chegaremos?

A sua END aprofunda o contexto de restrições à autonomia militar e sugere medidas que, se adotadas, trarão de volta antigos costumes de politização dos negócios internos das Forças Armadas. Talvez isso favoreça o modelo de democracia que querem nos impingir. Será isto o que o Sr. quer dizer quando fala em sua entrevista “que é o processo de consolidação da transição democrática”?

Finalizando, quero salientar que a desprezível conceituação de que “o general que declarou insatisfação não tem nada a administrar porque é absolutamente indiferente, foi para a reserva, se liberou”, bem demonstra a consideração que o Sr. empresta aos integrantes da Reserva das Forças Armadas, segmento que o seu Ministério pretende representar. Isto mostra, também, o seu total desconhecimento da grandeza e da servidão da profissão militar, pois, como bem disse o Gen Otávio Costa, “a farda não é uma vestimenta que se despe, mas uma segunda pele que adere definitivamente à alma…”.

Lembre-se que os militares da ativa sempre conferem prestígio, não somente aos chefes de hoje, como, também, aos de ontem. Não existem dois Exércitos. Há apenas um: o de Caxias, que congrega, irmanados, os militares da ativa e da reserva.

A certeza de que o espírito militar, que sempre me acompanhou nos meus 47 anos de vida dedicados totalmente ao Exército, o qual, oxigenado pela camaradagem, é formado por coragem, lealdade, ética, dignidade, espírito público e amor incondicional ao Brasil, é o que me faz voltar-me, permanentemente, contra a concepção contida na sua END. Subscrevo-me.
 

Gen Ex Reserva Luiz Cesário da Silveira Filho

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5 ideias sobre “Carta a um Jobim fora do tom

  1. Edmond Dantes

    O fato é que a implementação do END, finalmente transformará o Ministério da Defesa em um verdadeiro Ministério. Até então, o Ministro da Defesa era mero despachante à serviço dos Comandos de Força. A estrutura que se cria, inspirada na organização da Secretaria de Defesa dos EUA, mas, com substancias diferenças, acaba, finalmente, subordinado os interesses corporativos dos militares, aos interesses verdadeiramente nacionais. O texto escrito pelo General revela, de forma inequívoca, o tamanho do corporativismo que existe no Exercito que, frise-se, é muito superior ao existente nas outras Forças (Marinha e FAB).

  2. Zé Mané

    Falou e disse o General.Matou à pau. Na verdade desder a criação do Ministério da Defesa os militares das Forças Armadas já esperavam por essas atitudes políticas de seus Ministros. Enfim questionou bem o General: Qual desses Ministros da Defesa prestou o Serviço Militar? Absolutamente nenhum. Também disse ” temos assistido a movimentos perturbadores da moral, da ética e da ordem pública intentarem contra a segurança do direito, aspecto basilar em um regime que se diz democrático” . Ai é que mora o perigo pois já está mais do que passada a hora de um ajuste de condutas políticas. Vamos acordar, gente!

  3. Osdrovaldo

    O General pode até ter certa razão, pois há certa pirotecnia e desejo de aparecer no Ministro Jobim…

    Mas General falando sempre o mesmo blá blá blá saudosista de 64 é de doer…

    O Exército não quer se profissionalizar de verdade, pois isso acarretaria em uma grande perda de qualidade de vida por parte de seus oficiais. Ou vcs acham que eles preferem viver onde: no Rio de Janeiro ou na selva amazônica ?

    É melhor ficar sempre reclamando da falta de verbas do que adequar seus planos e “ralar” com o que tem…

    Enquanto o EB for uma massa de piás comandados por uma massa de funcionários desestimulados, o Brasil está a perigo.

  4. o barnabé

    Dá-lhe general, o que se esperar de um governo e governante e do Ministro da Defesa que não sabe nada do assunto foi só um mero ministro e um Deputado, Os militares ficaram a mercê dos politicos , com a bandeira da democratização ou esculhambação, o que se esperar de um governo que baixa as calças para Evo Morales, Hugo Chavese agora o tal de bispo Lugo, o que se espera de um governo que critica o exercito e não daz nada para avaliar o patriotismo próprio, pare com isso senhor ministro , resolva o problema da anac e infraero que jã está bom se for feito ou será melhor criticar um general e idolatrar um José Rainha…

  5. José Alberto

    Ao Sr Edmond Dantes:
    COR-PO-RA-TI-VIS-MO: 1- Sistema político-econômico baseado no agrupamento das classes produtoras em corporações, sob a fiscalização do Estado.
    2-Prática de organização social que tem como base entidades que representam interesses de certos grupos profissionais.
    Corporativismo é o que existe no PT do nosso Presidente Lula,
    corporativismo foi o mensalão.
    Corporativismo é o que existe no Congresso e nas Câmaras Municipais.
    Corporativismo é o que existe no Planalto Central.
    Corporativismo é o que existe em toda a massa que agora comanda este País e os militares foram excluídos dessa massa politica meu amigo Edmond Dantes.
    VC foi muito infeliz neste comentário, vc realmente não sabe nada sobre o Exército do seu País, vai estudar mais um pouco.

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