5:53Mudar as palavras

Publicado na Folha de São Paulo

por João Pereira Coutinho

Imaginem o Brasil atacado por potências, que desejavam aniquilar cada um dos brasileiros

ISRAEL ESTÁ novamente em guerra com os terroristas do Hamas, e não existe comediante na face da Terra que não tenha opinião a respeito. Engraçado. Faz lembrar a última vez que estive em Israel e ouvi, quase sem acreditar, um colega meu, acadêmico, que em pleno Ministério da Defesa, em Jerusalém, começou a “ensinar” os analistas do sítio sobre a melhor forma de acabarem com o conflito. Israel luta há 60 anos por reconhecimento e paz.
Mas ele, professor em Coimbra, acreditava que tinha a chave do problema. Recordo a cara dos israelenses quando ele começou o seu delírio. Uma mistura de incredulidade e compaixão.
Não vou gastar o meu latim a tentar convencer os leitores desta Folha sobre quem tem, ou não tem, razão na guerra em curso. Prefiro contar uma história.
Imaginem os leitores que, em 1967, o Brasil era atacado por três potências da América Latina. As potências desejavam destruir o país e aniquilar cada um dos brasileiros. O Brasil venceria essa guerra e, por motivos de segurança, ocupava, digamos, o Uruguai, um dos agressores derrotados.
Os anos passavam. A situação no ocupado Uruguai era intolerável: a presença brasileira no país recebia a condenação da esmagadora maioria do mundo e, além disso, a ocupação brasileira fizera despertar um grupo terrorista uruguaio que atacava indiscriminadamente civis brasileiros no Rio de Janeiro ou em São Paulo.
Perante esse cenário, o Brasil chegaria à conclusão de que só existiria verdadeira paz quando os uruguaios tivessem o seu Estado, o que implicava a retirada das tropas e dos colonos brasileiros da região. Dito e feito: em 2005, o Brasil se retira do Uruguai convencido de que essa concessão é o primeiro passo para a existência de dois Estados soberanos: o Brasil e o Uruguai.
Acontece que os uruguaios não pensam da mesma forma e, chamados às urnas, eles resolvem eleger um grupo terrorista ainda mais radical do que o anterior. Um grupo terrorista que não tem como objetivo a existência de dois Estados, mas a existência de um único Estado pela eliminação total do Brasil e do seu povo.
É assim que, nos três anos seguintes à retirada, os terroristas uruguaios lançam mais de 6.000 foguetes contra o Sul do Brasil, atingindo as povoações fronteiriças e matando indiscriminadamente civis brasileiros. A morte dos brasileiros não provoca nenhuma comoção internacional.
Subitamente, surge um período de trégua, mediado por um país da América Latina interessado em promover a paz e regressar ao paradigma dos “dois Estados”. O Brasil respeita a trégua de seis meses; mas o grupo terrorista uruguaio decide quebrá-la, lançando 300 mísseis, matando civis brasileiros e aterrorizando as populações do Sul.
Pergunta: o que faz o presidente do Brasil?
Esqueçam o presidente real, que pelos vistos jamais defenderia o seu povo da agressão.
Na minha história imaginária, o presidente brasileiro entenderia que era seu dever proteger os brasileiros e começaria a bombardear as posições dos terroristas uruguaios. Os bombardeios, ao contrário dos foguetes lançados pelos terroristas, não se fazem contra alvos civis -mas contra alvos terroristas. Infelizmente, os terroristas têm por hábito usar as populações civis do Uruguai como escudos humanos, o que provoca baixas civis.
Perante a resposta do Brasil, o mundo inteiro, com a exceção dos Estados Unidos, condena veementemente o Brasil e exige o fim dos ataques ao Uruguai.
Sem sucesso. O Brasil, apostado em neutralizar a estrutura terrorista uruguaia, não atende aos apelos da comunidade internacional por entender que é a sua sobrevivência que está em causa. E invade o Uruguai de forma a terminar, de um vez por todas, com a agressão de que é vítima desde que retirou voluntariamente da região em 2005.
Além disso, o Brasil também sabe que os terroristas uruguaios não estão sós; eles são treinados e financiados por uma grande potência da América Latina (a Argentina, por exemplo). A Argentina, liderada por um genocida, deseja ter capacidade nuclear para “riscar o Brasil do mapa”.
Fim da história? Quase, leitores, quase. Agora, por favor, mudem os nomes. Onde está “Brasil”, leiam “Israel”. Onde está “Uruguai”, leiam “Gaza”. Onde está “Argentina”, leiam “Irã”. Onde está “América Latina”, leiam “Oriente Médio”. E tirem as suas conclusões. A ignorância tem cura. A estupidez é que não.

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8 ideias sobre “Mudar as palavras

  1. Frik

    A Raposa-do-Sol tem uma area equivalente aa de Israel – os colonos brasileiros estao prestes a se retirar de la, em obediencia a ordens de Brasilia – o assunto e noticiado, mas nao causa comocao nacional…

  2. Francisco Carnelutti

    Concordo. A estupidez do supra também não tem cura.
    Ele propõe explodir a vaca para acabar com os carrapatos.

  3. Vicente Nolasco Ferreira

    Frik já deu a melhor solução. Tira a indiarada lá, que não serve pra nada mesmo, e coloquem os palestinos. Vão fazer melhor uso da terra, com certeza.

  4. Frik

    obrigado pela citação, Vicente – mas o que eu quis dizer foi que nós brasileiros abrimos mão de, de mão beijada, de territórios que no padrão do dito Velho-Mundo seriam alvo de disputa ferrenha – e ninguém, ao que parece, toma as dores dos colonos brasileiros, que poderão encontrar o seu lugar em outros pontos do imenso território… ps: eu quiser dizer Gaza – com seus 300 e tantos km2 – A Raposa, com seus um milhão e setecentos mil hectares e 1000km de perímetro é um quinhão bastant respeitáve, que nós devolvemos para a Nação Intemporal dos Inomamis

  5. Frik

    ps: destinar territórios para uma nação é sempre algo temerário – Stalin criou a República dos Judeus, ou Birobidjão, com o dobro do tamanho de Israel, terra boa e quase virgem na fronteira da Sibéria com a China – mas o chamado da Terra Santa foi mais forte… vamos respeitar

  6. Gilberto Fontoura

    Há tempo não lia uma exposição tão objetiva e correta a respeito do conflito Israel X Palestinos.
    Show. Valeu. Bom 2000inove.

  7. Gilberto Fontoura

    Já é hora de acabar de culpar os Estados Unidos em tudo e por tudo.
    Israel está protegendo seu povo.

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