por Osman Gadoso

Áries

O que ele iria fazer com aquela idade? Os filhos sempre foram distantes, a mulher tinha ido embora há anos, a aposentadoria mal dava para os remédios, o quartinho de fundos lhe bastava. Mas achava que a parte final de uma existência não poderia ser só um acordar, comer, defecar, dormir, com os longos intervalos preenchidos pela tela da Globo. Aceitou a primeira vez aquele convite para o “bico” no shopping porque um amigo de bar, onde ia quase sempre tomar uma lisinha, insistiu. Ficou nervoso nos primeiros dias, mas depois descobriu que estava muito bem disfarçado, ninguém o reconheceria. E havia as crianças, dezenas, centenas delas de olhinhos brilhando em sua maioria. Aos assustados, fazia uma graça qualquer – e aprendeu que elas são, mesmo, filhos de Deus ainda não atropelados pela vida. Começou a notar que voltava para seu quartinho, a cama de campanha sob o colchão fininho, feliz, assim, como não se sentia há muito tempo. E não via a hora de voltar para debaixo daquela árvore na praça principal do shopping. Não tinha problema que tudo ali era artificial, inclusive ele. Mas as crianças, não. Pediu para dobrar o horário de trabalho. Fez mais: não tirava mais a “fantasia” quando encerrava o expediente. Andava pelas ruas do centro, pegava o ônibus para casa, enfim, só não dormia com ela porque poderia amarrotar. Em todos os lugares, ganhava carinho e retribuía com sorrisos e afagos. Não prometia nada, dizia que era diferente e, aos pedidos que recebia, informava: “Só posso desejar saúde a todos e transmitir esperança de dias melhores”. Todos o compreendiam. Tudo completamente diferente da sua existência atrapalhada, sofrida, solitária. Deixou o cabelo e a barba crescerem para os próximos anos.  Enquanto aquela fase do ano não chegava, se dedicava a entreter crianças internadas em hospitais públicos. Remoçou décadas. Perto dos setenta anos, achou então que sua vida não tinha sido tão má, pois ganhara um presente e tanto. Ganhou ser o próprio Papai Noel.