11:55Ele sabe de tudo

Por Vanessa Cabral, da revista Poder (http://revistapoder.uol.com.br):

2009 será um ano de articulações políticas. Governo, oposição e mercado vão se contorcer diante das expectativas que antecedem as eleições presidenciais no ano seguinte. Muito bem, por trás de todo cenário político-econômico existe uma figura pouco conhecida do grande público, mas que se move com relevância por entre os meandros das decisões que marcam o cotidiano do país. Essa figura é o lobista, que transita nos bastidores do poder tentando conectar interesses de um setor com o outro. Fazer lobby é uma expressão que ficou muito malvista por aqui no fim da década de 1980, durante a Constituinte, com a vergonhosa atuação de alguns representantes, que brigavam com pé na porta para firmar na lei máxima suas ambições. “Tem o lobby tradicional, o transparente, que é bom e é montado em cima de idéias concretas, de coisas importantes para o país. E tem o lobby bandido, feito para procurar vantagens”, explica Ney Figueiredo, um dos lobistas mais ouvidos por governantes, banqueiros e empresários nos últimos 30 anos.

Procurador da Justiça aposentado, este senhor de 70 anos introduziu o marketing político no Brasil nos anos 60. É jornalista, publicitário – participou da fundação da agência DPZ e dirigiu a BBDO –, fez diversas campanhas eleitorais, é membro do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp e sócio da Cepac, empresa de pesquisa e assessoria de marketing político e empresarial. Quando assumiu o departamento de comunicação da Fiesp, em 1980, passou a ser o conselheiro de boa parte do empresariado brasileiro. Pouco depois, passou a fazer o mesmo com os banqueiros na Febraban. “De manhã, eu ia à Fiesp e os empresários esculhambavam os bancos por causa dos juros. E, à tarde, na Febraban, eu defendia os banqueiros. Houve dia em que escrevi um artigo contra os juros e outro a favor. E todos sabiam que eu trabalhava para os dois lados. E, no fim, foi bom, porque acabamos unindo os dois setores e criamos a União Brasileira dos Empresários”, conta.

E foi estreitando relações com os homens fortes de Brasília. Já trabalhou para personagens de origens diversas. De Paulo Maluf a Fernando Henrique Cardoso. Do banqueiro Olavo Setubal, do Itaú, a Daniel Dantas e seu banco Opportunity. Hoje, Ney assessora, entre outros, um nome forte de um dos grupos que operam os fundos de private equity, que dominam o mercado e preferem se manter longe dos holofotes. “Esses não querem nem saber do governo”, diz.

Com tamanha atuação nos bastidores do poder, Ney Figueiredo – que é um backup humano de histórias, da política e do mercado brasileiro, brinca: “Já vi até boi voar no Senado” – está organizando o livro Pensamento do Empresariado Brasileiro, uma coletânea de biografias de grandes empreendedores que atuaram no país, entre os quais o Barão de Mauá, na época do império de dom Pedro II, e o norte-americano Percival Faquhar, do início do século 20. “O Brasil poderia estar bem mais avançado se não fosse a mentalidade xenofobista. O que esses grupos, como a Inbev, passaram a fazer nos anos 2000, Faquhar já fazia há 100 anos, atraindo investidores estrangeiros para cá”, garante ele, que prevê o lançamento da publicação para março de 2009. Aqui, nesta entrevista exclusiva, ele comenta casos polêmicos envolvendo seus mais famosos clientes e projeta o expediente político do ano que vem, pré-eleições presidenciais.

PODER: Com quem está o poder hoje no Brasil?
Ney Figueiredo: Com quem sempre esteve. Com os grandes empresários, como Jorge Gerdau [Grupo Gerdau], Antônio Ermírio de Moraes [Grupo Votorantim] e Roger Agnelli [Companhia Vale do Rio Doce]; os grandes banqueiros, Roberto Setubal [Itaú] e Lázaro Brandão [Bradesco]; e meia dúzia de políticos, entre eles José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Henrique Meirelles, Renan Calheiros, que continua articulando, e, evidentemente, o Lula. E também o [ex-ministro da Fazenda e deputado federal] Antônio Palocci, que continua no centro do poder, sendo muito ouvido.

PODER: E o dinheiro está nas mãos de quem?
NF: No século 21, temos a globalização, a internet e o fenômeno do private equity, que trouxe muito dinheiro para o Brasil. Hoje os grupos que operam com esses fundos de investimentos dominam boa parte da economia. Jorge Paulo Lemann, Beto Sucupira e Marcel Telles [da GP Investimentos] foram os primeiros. Em 2004, comecei a trabalhar para empresários que mexem com isso e me surpreendi. Esses caras são donos do mundo. Lá nos EUA são chamados de os novos reis do capitalismo.

PODER: O que o senhor fazia para o presidente FHC?
NF: No fim de 1999, FH me convidou para trabalhar para ele, como um consultor fora do governo. Fazia pesquisas sobre a imagem dele e alguns projetos.

PODER: O que o senhor aprendeu nos bastidores da Presidência da República?
NF: O povo tem a impressão de que o presidente pode muito, mas o poder dele é limitado. FH, por exemplo, me dizia assim: “Ney, com aquele ministro você pode falar porque ele é meu.” Até então eu pensava que todos os ministros fossem do presidente. E não é verdade.

PODER: E como o senhor chegou a Daniel Dantas?
NF: Em 2004, Carlos Rodenburg, braço direito de Daniel, me ligou. Eles queriam me contratar para melhorar a imagem dele. Nunca vi nada igual. Daniel é um gênio, mas com certeza não passaria em um teste psicotécnico. Ele não poderia ter carteira de motorista, por exemplo, porque é louco.

PODER: Que tipo de loucuras o senhor viu Daniel Dantas fazer?
NF: Ele é incapaz de falar a verdade. E também não fica quieto. Conversa andando em volta da mesa. Um dia, chegou ao escritório e falou para irmã dele [Verônica Dantas]: “Eu vivo concentrado nos meus negócios e esse pessoal tem mania de me dar bom dia. Pede para ninguém me dar bom dia, porque, se meu dia vai ser bom ou ruim, não depende deles”. (Risos) E eu vi que o imbróglio dele com a TIM era fantástico, envolvendo tribunais na Inglaterra e na Itália. Fui à Itália dar uma olhada no processo e vi que os caras que ele estava enfrentando lá eram muito superiores a ele. Era o [Marco] Tronchetti Provera, presidente da confederação dos empresários italianos, que controlava a Olivetti, a Pirelli, a Parmalat e a TIM. E havia três jornalistas italianos, um foi o Davide Giacalone, que escreveu o livro Razza Corsara, e os outros dois eram Giuseppe Oddo e Giovanni Pons, que mostravam a ação da TIM no Brasil, em Cuba, Venezuela, Argentina, Bolívia, Sérvia, que era uma ação de bandidos e o Congresso italiano começou a pesquisá-los. Mas notei que esses caras estavam à frente de Daniel em termos de corrupção. Eles deram um upgrade na corrupção no Brasil.

PODER: E o senhor ainda queria melhorar a imagem dele?
NF: Eu queria que o Daniel escrevesse artigos, mas ele não aceitou. Que participasse de entidades empresariais, ele não aceitou. Que fosse falar com a parte boa da economia. Cheguei a marcar um encontro com o doutor Olavo Setubal. Interessante que sempre que eu levava alguém para almoçar com o doutor Olavo, ele nos recebia em uma sala reservada. Nesse almoço com o Daniel, nos levou para o restaurante do Itaú. E o Daniel foi um sucesso, todo mundo foi à mesa cumprimentá-lo, parecia um star. Mas depois ele não quis mais encontrar ninguém. Daniel não tinha jeito. Ele é do mal. E tem mania de gravar tudo.

PODER: Gravar tudo o quê?
NF: Tudo. Por exemplo, quando Daniel vinha a São Paulo, ficava numa sala ao lado da minha. Eu lhe mandava e-mail, e ele dizia: “Não me manda e-mail”. Eu gravava a mensagem em um CD e o boy entregava para ele. (risos)

PODER: Como o senhor enxerga a atuação da Polícia Federal?
NF: A PF sofre com uma divisão interna. No governo Lula e no governo FHC se notou o uso político da PF para um setor atacar o outro. O próprio governo se digladia usando a polícia para isso. O episódio do Duda Mendonça [publicitário responsável pela campanha de Lula à Presidência], do galo, todo mundo fala que saiu lá de dentro do Palácio. E esse negócio de amante, por exemplo. Isso começou lá atrás, com dom Pedro I e a Marquesa de Santos. Diversos presidentes da República tiveram filhos fora do casamento e por aí vai.

PODER: Todo mundo sabe, mas só fala se interessa, não é?
NF: Pois é. Esse caso do Renan [Calheiros, ex-presidente do Congresso], por exemplo. Todo mundo sabia do caso dele com a Mônica [Veloso, que teve uma filha com o senador]. Quando aconteceu, eu recomendei a ele que contasse para todo mundo para não ficar refém dessa história. A mulher dele teve uma crise grande de nervos, foi um abalo na família, mas foi resolvido lá atrás. Então estava tudo bem. Ele foi eleito duas vezes presidente do Senado. Onde pegou? Quando o advogado disse a ele que não precisava pagar aquela puta grana a ela. A Mônica reclamou. Aí, quando deu a cagada, o advogado o aconselhou a dar aqueles recibos falsos e ele foi se emaranhando. Mas ninguém queria cassá-lo. Sabe por quê? Porque ele é um cara muito querido no Senado. Então os senadores diziam que ele ia ser absolvido, mas tinha de renunciar por causa da opinião pública. O [senador Aloizio] Mercadante me ligou e falou: “Ney, diz ao Renan que eu vou votar a favor da absolvição dele, mas ele tem de renunciar à presidência do Senado depois”. Então, no fim, ele foi obrigado a se humilhar e sair. Tem um livro chamado A Fogueira das Vaidades, do Tom Wolfe, que conta um caso bobo que acabou numa confusão desgraçada. Com o Renan aconteceu isso. Ele não é melhor nem pior do que ninguém naquele Senado. Posso falar porque eu já vi até boi voar lá dentro.

PODER: Qual é a sua prospecção para 2010?
NF: O jogo está francamente favorável à oposição. Lula é um fenômeno de popularidade, mas escolheu muito cedo um candidato, que é a Dilma [Rousseff]. Não vejo na Dilma um perfil persuasivo. O grande candidato do Lula seria o Palocci, se não tivesse sido atropelado daquele jeito. E o [Henrique] Meirelles já está resolvido, vai ser governador de Goiás. Na oposição, o Serra passou a ser o grande candidato. Dentro do PSDB, o Aécio [Neves] não tem chance. O PSBD é um partido de caciques, é o FH, é o Tasso [Jereissati], é o Serra. E o Aécio cometeu um gesto tresloucado que foi vir aqui em São Paulo para apoiar o [Geraldo] Alckmin [à prefeitura]. Isso foi de uma estupidez total. E também perdeu diversas outras paradas para o Serra. Mas o Aécio consegue fazer um movimento interessante. Ele adora Paris, adora o Rio e adora mulher. Ele consegue viver essa vida Paris-Rio e, ao mesmo tempo, ser um grande governador de Minas, porque entregou a administração ao seu vice [Antônio Augusto Anastasia]. Mas, para ser candidato à presidência, Aécio terá de sair do PSDB. Se ele for para o PMDB, aí complica a guerra. Mas, se continuar, como ele diz que vai, Serra tem grande chance de ser o futuro presidente do Brasil.

Ney Figueiredo, cientista político e lobista que só trabalha para peixes grandes,
antecipa o cenário pré-eleições presidenciais e entrega um pouco do que viu
e ouviu nos bastidores do poder nos últimos 30 anos: a relação com Daniel Dantas,
Fernando Henrique Cardoso, Renan Calheiros e outros casos

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