12:51Valêncio Xavier, adeus

Do site da RPC, em reportagem de Irinêo Netto:

Valêncio Xavier, autor de O Mez da Grippe (1981), morreu nesta manhã aos 75 anos, em Curitiba, Paraná, em conseqüência de um derrame cerebral e parada respiratória. Ele estava internado há três meses no Hospital São Lucas, na capital paranaense. Ainda não foram definidos os locais do velório e enterro. A família considera a possibilidade de cremar o corpo do escritor.

Xavier conheceu o sucesso de crítica e de público no final dos anos 1990, quando teve parte de sua obra publicada pela Companhia das Letras, depois de uma indicação da crítica literária Flora Süssekind.

Antes disso, ganhou projeção nacional ao ser elogiado pelo escritor Décio Pignatari. Paulistano que vivia em Curitiba “há 500 anos”, como disse certa vez, Xavier escreveu para a Gazeta do Povo entre 1995 e 2003. Não por acaso, seu primeiro trabalho para o jornal foi um especial sobre os cem anos do cinema.

“Ele era um pioneiro da narrativa do romance icônico-verbal. Um marginal mais ou menos oficial. Não é uma obra do mainstream da prosa brasileira. O Valêncio vai ser lembrado por essa produção híbrida entre o verbal e o não-verbal. Ele era único. Pensava as coisas de modo diferente”, diz Pignatari, que se tornou amigo do escritor mais de 20 anos atrás, ao descobrir O Mez da Grippe.

A reedição da Companhia das Letras compilou a novela célebre com outras quatro, incluindo Maciste no Inferno (1983) e O Minotauro (1985), e acabou vencendo o Prêmio Jabuti 1999 de melhor produção editorial. Todos os que o conheceram o identificavam como cinéfilo. O escritor e tradutor Boris Schnaiderman afirma que os livros de Xavier devem ser encarados como uma “experiência arrojada de prosa”. “Ele era original, sensível e muito ligado ao cinema. Na obra dele, a imagem e o texto têm uma ligação íntima. O Mez da Grippe é notável”, diz.

O tradutor chegou a escrever sobre Xavier para a Revista USP, da Universidade de São Paulo. No estudo, destacou o modo com que o autor trouxe para o livro as vivências que adquiriu em outros meios – sobretudo o cinema e a televisão.

Embora tenha se tornado uma referência na literatura, cultuado por uma geração mais jovem que a sua – formada por Joca Reiners Terron e Marcelino Freire, entre outros –, Xavier tinha uma paixão fora do comum por filmes.

No cinema e teatro

Valêncio Xavier realizou vários trabalhos atrás das câmeras, atuando como diretor, assistente de direção, montador, roteirista e consultor. O seu Caro Signore Feline (1980) venceu o prêmio de melhor filme de ficção na 9ª Jornada Brasileira de Curtas-Metragens.

Neste ano, seus livros inspiram peças de teatro – duas montagens feitas pela Pausa Companhia – e filmes – Beto Carminatti e Pedro Merege devem lançar em breve o longa-metragem de ficção Mystérios e o documentário As Muitas Vidas de Valêncio Xavier.

Em um texto para o jornal literário Rascunho, de abril de 2001, o escritor José Castello afirmou que Xavier “escreve como um cineasta: recorta, ilumina, acopla, monta. É do contraste, da surpresa, da assimetria, que suas palavras arrancam força. Elementos que se deslocam, que se enfrentam, que saltam uns sobre os outros, que se comem, como num tabuleiro de xadrez. (…) Ele tem uma visão larga, audaciosa, da literatura, que escreve para desafiá-la, que com ela faz o que bem entende – e, agindo assim, exerce como poucos aquilo que há de mais sagrado para um escritor, que é sua liberdade.”

Na Universidade Federal do Paraná, a professora e pesquisadora Marta Morais da Costa organizou uma disciplina na pós-graduação baseada nos livros de Valêncio Xavier. Em 2004 e 2005, o escritor aceitou convites para ir à sala de aula e debater sua obra com os estudantes. Marta acredita que ele será lembrado como um inventor – citando uma das categorias criadas pelo poeta Ezra Pound –, além de ter sido uma pessoa generosa cuja simplicidade era evidente. “Até para reconhecer a qualidade estética (de sua obra). Como se a literatura fosse um jogo, uma brincadeira”, diz Marta.

Valêncio Xavier Niculitcheff nasceu em São Paulo (SP) no dia 21 de março de 1933. Passou a viver no Paraná em 1954. Escreveu para vários jornais e revistas, trabalhou na TV Paranaense (hoje RPC TV) e na TV Paraná (da rede Tupi), escreveu dramas para a televisão e chegou a dirigir episódios do Globo Repórter.

Criou a Cinemateca do Museu Guido Viaro em 1975 – que se tornaria a Cinemateca de Curitiba 23 anos mais tarde –, espaço responsável pela formação de vários cineastas paranaenses, identificados como a Geração Cinemateca, da qual fazem parte Carminatti, Fernando Severo e Berenice Mendes.

Em 2002, Valêncio Xavier foi diagnosticado com o mal de Alzheimer. Depois disso, escreveu apenas mais um texto, “Coisas da Noite Escura”, parte do livro Rremembranças da Menina de Rua Morta Nua (2006), o último publicado pela Companhia das Letras. Além de Luci, sua mulher, e dos filhos Ana Cristina e Carlos, ele deixa a neta, Laila, e o irmão, Gregori.

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4 ideias sobre “Valêncio Xavier, adeus

  1. Claudio Henrique de Castro

    Que tristeza!
    O Paraná perdeu um dos seus grandes intelectuais.
    Promovi alguns cursos de cinema com o Valêncio.
    Sua vivacidade, inteligência e profundidade eram incomparáveis.
    Valêncio era Diretor do Museu da Imagem e do Som quando na minha frente ligou para um amigo e disse: – Quero falar com Fulano !
    E a secretária perguntou: – Da onde?
    E ele respondeu:- É Valêncio Xavier, do MUNDO !
    Realmente, Valêncio foi um cidadão do Mundo.
    Curitiba foi pequena para ele. Ganhou dezenas de prêmios no exterior.

  2. Jorge Eduardo

    Era um craque. Só a criação da Cinemateca, da qual fui sócio-fundador, n.º 52, já lhe valeria honroso epitáfio. Seu mau/bom humor era irresistível. Vai fazer falta.

  3. katia

    Que ele e Karam estejam fazendo a maior festa estejam onde estiverem. Seres iluminados, com certeza estão bem.

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