21:41Meu único irmão

 Por João Pedro Amorim Jr.*

Eu só tenho um irmão de sangue. Filho do meu pai e da minha mãe, como eu. Hoje pela manhã recebi notícias do meu irmão. Ele estava internado no Hospital Evangélico. Sofreu um acidente de moto pouco depois da meia-noite de domingo para segunda-feira. Quem me deu a notícia foi a namorada dele.

Meu irmão bateu num poste após ter sido fechado por um carro. Foi socorrido por garagistas de um hotel na região do Batel. Chamaram o SIATE e o meu irmão foi para o Hospital Evangélico, local mais próximo do acidente, onde foi atendido pelo SUS.

Meu irmão não gosta de incomodar ninguém. Quando recobrou a consciência, pediu que ligassem pra namorada. Ainda bem que ele tem namorada.

Nas primeiras horas da manhã, a namorada me ligou. Me contou do ocorrido e eu fui ao Evangélico. Cheguei lá e disse que ele era o meu único irmão. Que eu precisava vê-lo, saber como estava, se precisaria ser internado…

A moça me disse que o horário de visitas era só depois das 17 horas. Mas nem eram 8 horas da manhã ainda.  Não xinguei a moça, mas dei-lhe as costas. A partir daí ela não falou mais comigo. Minha esposa falou então para eu ficar lá fora.

Ela foi lá, falou com a moça e disse que eu estava nervoso, porque eu estava preocupado com o meu único irmão…  …E que nossa mãe não mora em Curitiba e que eu aqui era o único laço familiar dele….

Ganhei, assim, uma interlocutora no Evangélico por cerca de uma hora e meia, já que minha esposa tinha compromissos de trabalho e teria que sair. Ela saiu.

Então fiquei eu lá, esperando na entrada dos convênios do Evangélico.

Entraram várias pessoas, talvez até em situação pior do que estava o meu irmão. Chegou uma senhora, de uns 60 anos, com o rosto todo ferido. A moça que não falava mais comigo disse a ela que ali não era atendimento do SUS. A senhora ferida foi procurar a sala ao lado, a sala do SUS. Voltou meia hora depois dizendo que o médico a tinha instruído a voltar. Voltou e foi atendida. Ufa, pensei eu.

Daí chegou outra moça, carregando no colo uma criança de pouco mais de um mês de vida. Alergia a medicamento, disse a mãe. Foi informada de que aquela não era a sala de atendimento do SUS. Foi buscar atendimento na sala ao lado. Não vi mais ela, nem o bebê.

Enquanto não era possível ver o meu irmão, fiquei lá assistindo aos necessitados do SUS e dos planos de saúde. Perguntei novamente à moça que deixou de falar comigo. Posso ver meu irmão? Ela não respondeu. Mas a colega ao lado perguntou qual era o nome dele. Eu respondi, ela entrou, saiu e me disse: – Está sendo suturado no rosto. Como ele está na enfermaria, o senhor não pode entrar, porque lá outras pessoas estão sendo suturadas também.

Daí chegou um cara, mais ou menos da minha idade, também querendo saber notícias do irmão. E me disse: Estou aqui desde a 1 hora da manhã. Escapamos de um assalto. Fomos atacados por um bando e meu irmão levou uma pedrada na cabeça. Na verdade bateram com um paralelepípedo na cabeça dele, aquela pedra de granito.

Daí eu pensei: Por que virei as costas pra moça e perdi a oportunidade de ver o meu irmão mais facilmente se eu cheguei aqui por volta de 7 e pouco? Nossa! O amigo aí está em situação muito pior.

O tempo não passava e fiquei prestando atenção na impressora matricial das moças à minha frente. Vi que iria travar o papel, porque o fio de energia estava em cima da resma. Travou. A moça rasgou e jogou no lixo. Eu disse que travou por causa do fio. Não me deram bola.

Mas foi então que ouvi o nome do meu irmão sendo chamado atrás da porta. Disse então para a moça da impressora que aquele era o nome do meu irmão. E ela disse: – Ah. Vou verificar se o senhor pode falar com ele.

Nisso, a namorada do meu irmão chegou, para a minha alegria. Então fomos falar com o médico. Foi então que ele explicou a situação clínica do meu irmão. Não corre risco de vida, mas precisa fazer exames mais detalhados.

Podemos vê-lo? – Infelizmente não, porque há muitas pessoas sendo suturadas na enfermaria – disse o doutor.

Voltamos então ao banco dos “com convênio”.

E foi o tal do convênio que fez o meu irmão ter atendimento diferenciado dos demais companheiros de maca. Ele chegou de SIATE, deu entrada pelo SUS e ficou na maca da meia-noite e pouco até as 14 horas desta segunda-feira.

Só saiu da maca porque tem convênio. Os outros companheiros de maca ficaram lá. Segundo meu irmão, alguns deles – entre eles o rapaz do paralelepípedo – foram liberados.

Não entendi ao certo o motivo da liberação, mas lembrei que me disseram que meu irmão só poderia completar os exames se tivesse convênio. Porque as vagas do SUS estavam lotadas.

E este dia é o da véspera da aprovação da CPMF. Enquanto esperava para ver meu irmão, cheguei até a brincar com o futuro sogro dele. Quem sabe poderemos vê-lo se a CPMF for aprovada. Putz, mas isto é só na tarde de terça. Vai demorar.

Depois de um dia como esses fico pensando se a tal da CPMF é boa ou ruim para a saúde.  Foi criada para ser totalmente destinada à saúde. Mas não é. Agora, a destinação para a saúde virou objeto de barganha do governo.

Na verdade, acho que tanto quem – publicamente –  é a favor ou contra ao imposto do cheque é porque nunca viu uma fila do SUS. Talvez tenha visto da porta pra fora, nos telejornais, sei lá.

E ainda por cima disso tudo tive que arrumar uma desculpa pra trazer minha mãe de Santa Catarina para cá sem que ela sofresse o baque imediato da notícia do acidente. Tive êxito. Não fiz subir a pressão dela e agora ela está cuidando do meu único irmão. Por essas e outras eu sempre lembro de quando minha mãe me falava: estude meu filho. Não estudei. Deu nisso.

*João Pedro Amorim Jr. é jornalista

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Uma ideia sobre “Meu único irmão

  1. Lara

    Joao, dificil achar um assessor de imprensa do seu naipe, de norte a sul deste pais. Estudou sim, e sei que esteve em cargos onde muitos se deslumbram, mas vc jamais esqueceu suas origens e o juramento. Seu unico defeito é, pelo visto, genético. Tbem nao gosta de incomodar ninguém. Melhoras pro seu irmao. Amanha cedo vamos perguntar pra Vanessa se os amigos podem ajudar. Bençâos e luz pra vc e sua familia!

  2. Tuca

    João, parabéns pelo depoimento sensível às dores do mundo, sincero e pelas análises que o acompanham. Tudo de bom.

  3. Pé Vermelho

    Ô Lara: falou e digou. E me antecipou. O João é daqueles que não mudam de personalidade de acordo com o tamanho da mesa. De sangue ele só tem o irmão motociclista acidentado pelo qual rezamos a Deus pela rápida recuperação. Irmãos em Cristo, são lhões ( mi ou bi, escolha ). Agora, não generalize por baixe o atendimento do SUS por causa daquela fia duma égua do Evangélico. Ela devia estar em falta. Tem muita gente boa lá. De bem com a vida. Vida sexual normal.

  4. João Pedro de Amorim jr.

    Informo aos amigos que meu irmão está bem e em franca recuperação. Agradeço pelos comentários e pelas orações.

    Abraço,

    João Pedro

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