18:12Kafkaram, por Jorge Eduardo

Texto enviado por Jorge Eduardo Mosquera há uma semana, mas só agora autorizado para publicação, uma semana depois da partido do querido Manoel Carlos Karam:

Faz 15 minutos (agora uns 50) que abri seu blog e fiquei sabendo que o Karam – como diria o nosso querido Luizinho da Adélia – subiu. Subiu mesmo, camarada. Ele tem lugar cativo lá, seja onde for. Sei que ele escondeu e você respeitou o desejo dele. Não pude visitá-lo. Não sabia que o caso era grave assim, e você(s) não me deixou(deixaram) saber. Vocês me enganaram. Não, eu não era amigo íntimo do Karam. Ele não era dado a intimidades. Mas convivi com ele nas antigas noitadas do Saul (mais as Kátias Karam e Agostini, esta minha – e acho que dele – paixão recôndita), Carminha, Clayton Taborda, o genial Carlos Delgado e mais gente. Quando a Kátia Kertzman frilava no Estadão, saíamos até o bar da esquina para um chope. Convivi em outras eras com ele. Acho que sempre convivi com o Karam, desde que me supus jornalista.
Fiquei devendo – convidado que fui – idas à casa do casal KK no Bom Retiro. Fiquei devendo trazê-los à minha mansão. Conheci o Karam no Estadinho, eu piá de bosta, ele já O Karam, reencontrei-o no Canal 12, quando eu, saído di Veja, tentava me reenquadrar. Era 86. Pedib“estágio” à noite, pra aprender a editar TV. Ele mebincentivou. Ali conheci uma galera sensacional. Era a turma outsider, com o Marcos Batista fungando no gangote. Faziam jornalismo. Karam à frente. Meu falecido e querido tio, grande ator Sansores França (nome Acyr França) encenou peças dele, a que assisti pelo tio e pelo autor. O Karam. Cantei em peça de teatro (cantei mesmo, só que gravado) com trilha do irmão dele, o Luiz Antônio
(hoje maestro da Fafá de Belém). Li tudo que pude do Karam. Gostava muito dele. Mas não, ele não me deu sua amizade arrebatada. Não sei se me considerava amigo. Era por demais reservado. Eu era, no máximo, seu fã. Um fâmulo, diria Nelson, o Padrella. Mas amigo de paixão da Kátia, que eu conheço desde menininha. (E fui colega de jardim da Infância,
no Círculo Militar, da irmã dela, a Zorah, médica e tal.) Convivíamos muito bem, Karam e eu. E na Prefa ficávamos muito perto. Ele, eu mais Maí Nascimento – a reserva intelectual da Prefa, os velhinhos. Um dia o Fernandinho( veja que o que escrevo não tem cronologia, é meio Karam), cria do Karam, achou um livro dele num sebo e me deu de presente. Karam
autografou assim: “Jorge, a dedicatória está em algum lugar deste livro.” Karam era assim: misterioso. Ele me dava dicas de leitura, eu dava a ele. Ele terminou o Ulysses. Eu, não. Eu li o Proust. Ele, não. Somos coxas. Ele vascaíno, eu botafoguense. Quando fumava, era o único ser vivo que fumava John Player. Era dos poucos que tomavam Hayneken.
Tenho alguns livros do Karam. Kafka catarina. Boa leitura. Grande texto. Karam andava de guarda-chuva (como eu, agora
pedestre). Tênis All Star (já usei, mas meu pé é largo, prefiro Diadora, que é uma luva). Lia tudo, de tudo e mais um pouco do Karam. Como dizia sempre o genial Padrella: “Karam, és meu ídalo.” Gostava e gosto muito do Manoel Carlos – era assim que me dirigia a ele, volta e meia. Gosto muito da Kátia. Belo casal. Salvo engano, o primeiro casal árabe-israelense de Curitiba, do mundo. (O segundo foi Salomão (turco) e Lea (judia). Mas eles não estão mais juntos faz tempo.) Voltando aos KK: a paixão supera as diferenças, né? Estou muito triste. 2007 foi uma merda sem dó. O filho do Ganchão, o Zé Eugênio. Outros. Meu pai. Quando um ser humano se vai, faça a medição: fará falta?
Muita gente não faz nenhuma falta. Karam faz e fará uma falta enorme. É um buraco aberto no peito. Não vou me despedir dele. Pra mim, chega de despedidas neste 2007. Quero que este ano vá embora como se não tivesse acontecido. No fundo, acho que o Manoel Carlos até gostava de mim. E eu, no fundo e no raso, com todo o meu coração, gostava e vou gostar sempre, muito, mas muito dele. O mundo não se acaba, né? Mas tá ficando menor. Um beijo na Kátia. Um beijo no Manoel.
Kafka catarina.
Kafkaram.

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Uma ideia sobre “Kafkaram, por Jorge Eduardo

  1. stella

    “Quando um ser humano se vai, faça a medição: fará falta?
    Muita gente não faz nenhuma falta. Karam faz e fará uma falta enorme.”

    Passa a régua e fecha a conta. Falou e disse.

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