1:25Adeus, Manoel Carlos Karam

karan2.jpg

Foto de Ana Barrios, no livro “Traços de Luz”

karam_oculto.jpg

Foto de Gloria Flugel

Manoel Carlos Karam aprontou mais uma para nós. Ele partiu feito menino que prega uma peça na família. E a família dele era do tamanho do mundo. Porque o Karam, muito mais que o gênio que jogava em várias posições, sempre com a categoria e a dimensão de uma linha de ataque como a do Santos de Pelé (e isso um dia escrevi aqui, porque ele amava o futebol), era um santo. Acho que por isso, sem querer, claro, porque era a humildade em pessoa, deixou crescer a barba e o cabelo. E eu só conheci seu rosto há poucos dias, por causa do tratamento para combater o mal que o levou há alguns minutos. A notícia veio pela boca da pessoa que me fez ficar mais perto dele, porque amiga dele e da sua companheira Katia Kertzman. Foi mais um presente que a Sonia Maschke me deu nessa vida. Eu sabia do Karam desde que cheguei em Curitiba. Mas eu só enxerguei o Karam quando cheguei perto. E ele me deu a honra de colaborar desde o início deste blog, com suas “Crônicas de Alhures do Sul”, mostrando porque é um dos grandes das letras do Paraná, do Brasil, do Universo. Nunca vi o Karam irritado ou triste. Torcedor Coxa, entendia tanto de bola quanto de música. De literatura, não dá nem para comentar. Fazia tudo com a serenidade e competência dos grandes mestres. Escritor, jornalista, teatrólogo, publicitário. Criativo até a medula. Humorista nato. Um homem de verdade, daqueles de dar inveja. Recentemente escrevi-lhe um bilhete. Descobri que, depois de tanto tempo, nunca tinha-lhe enviado um elogio em particular. Sempre foi em público, porque achava que ele merecia muito mais. Me respondeu alguns dias depois, debilitado, dizendo que não merecia. Ah, Karam, como foi bom eu te fazer um carinho na cabeça quando te visitei no hospital. Me lembrou meu pai, mas eu achava que você ia escrever muita coisa ainda sobre o drama que viveu nos últimos meses. Claro que de forma bem humorada, com o nonsense que lhe é peculiar. Ontem, quando a Kátia me telefonou avisando que iria enviar o texto da crônica, talvez o último aqui nesta fase na Terra, e depois quando ele chegou em letras diferentes das normais, assim meio encavalado, senti alguma coisa diferente, mas não quis nem pensar, espantei a nuvem cinza que tentava baixar sobre ele. O telefone tocou mais ou menos na mesma hora em que, um dia, alguém me ligou de longe para dizer que mamãe tinha ido embora. Você não foi Karam. Você ficou para sempre. E eu sou um privilegiado por te conhecido de perto.

Compartilhe

Uma ideia sobre “Adeus, Manoel Carlos Karam

  1. ricardo silva

    Não tive o privilégio de conhecer,mas pelo que li e ouvi sobre sua pessoa,Deus está em boas mãos.

  2. Bitte

    Zé:

    Estamos ficando mais pobres de amigos. Agora se vai esse talentoso e danado, um sujeito cujo texto vazava por baixo das unhas.
    Além da saudade, fico com a provocação encalhada: ele ficava tiririca (de brincadeira), porque meu celular, deixado sobre a mesa, vizinha à dele, ficava tocando o hino do Atlético, e ele ameaçava joga-lo pela janela.
    Fomos amigos, colegas e parceiros de texto, e isso me enchia de razão, pois dizia para os outros que fizera à quatro mãos com o Karam. E emendava: claro que fiz 80%. E ele saía de lado, sorrindo, como quem nem comprova nem desmente.

    Cara. Não quero mais ficar escrevendo sobre os amigos que estão partindo.
    Acho que vou passar mais tempo com os que estão ficando.

  3. Gerson Guelmann zs

    O encantamento do Karam me faz concluir que definitivamente o anjo da morte anda zarolho, Zé, como dizem na tua amada Alagoas. Não era ainda o momento. Calculo a confusão na recepção lá em cima:
    “- Aqui não tem reserva para o senhor, deve haver algum engano.”
    A ausência do Karam deixa este mundo um pouco mais triste, justo quando as alegrias andam tão escassas. Menos mal que nos últimos dias ele se alegrou tanto com o amado Coxa. Há pouco, pela generosidade do Gladimir Nascimento da Band News, lembrei um pouco de nossa convivência, especialmente nas memoráveis campanhas políticas das quais participamos. Foram poucas palavras, as que consegui concatenar depois que a confusão se instalou em minha cabeça e a dor tomou conta do meu coração. Do que disse e posso lembrar, repito aqui:
    – Quem não teve a felicidade de bater um papo e sorver da inteligência, bom humor e mansidão do Karam, não sabe o quão enriquecida foram as vidas de seus amigos.

  4. Gerson Guelmann zs

    Zé, acrescente, na última linha de meu comentário, um S no final de ENRIQUECIDA(S).

  5. Pé Vermelho

    Eu o via, tempos atrás, nas salas da Comunicação da prefeitura. Me dava uma vontade de me apresentar e conversar com ele. Para parabenizá-lo. Fiquei só na vontade que vou transformar em orações pela continuação da sua felicidade lá no céu. Ih! Karam e Zé Eugênio juntos. Um no teclado, outro no clique. Que dupla, né, turma?

  6. Bitte

    Zé:
    Um detalhe a mais: precisa avisar lá do outro lado, que talvez o Karam atrase um pouco prá chegar. É que, como de costume, ele tá indo à pé.

  7. Jorge Eduardo

    Grande Karam.
    De quem é esta foto?
    Capturei-a.
    Não se diz adeus, pregam os árabes, porque o mundo – todos os mundos – é pequeno. Shucram, Karam.
    Inté.

  8. Ney Hamilton

    Karam, o suave. Karam, o gentil. O homem que não usava palavras ásperas. Porque escritor que nasceu, era mestre em tranformar as palavras em imagens suaves. Era mestre em tiradas impágaveis. Um inusitado ser híbrido meio jornalista, meio bombeiro. No meio do incêndio, do perigo iminente que é viver numa redação ou numa campanha política, lá vinha o Karam, jornalista-bombeiro com uma solução genial para nos salvar. Por isso ele foi um herói para uma geração de jornalistas. Um herói tranqüilo. Ameno. Os escritores que inventam heróis jamais pensariam num Karam. Só um Manoel Carlos Karam inventaria um personagem tão rico assim. Barbudo, rabo-de-cavalo, olhos lacrimejantes e espertissimos. Voz baixa. Palavras, comentários e idéias capaz de reverter qualquer situação adversa neste dia-a-dia cheio de arapucas que é a nossa profissão. Distraído e modesto como era, Karam não percebeu o herói que havia criado. Não importa. Nós sabemos e o reverenciamos por isto.
    Valeu, chefe!

  9. lina

    Só para registro: tenho fotos do Karam, mas essa que mandei foi reproduzida do livro “Traços de Luz”, de Ana Barrios. Acho que a foto trás uma expressão bem dele: o da reflexão. Um pensador meio Rodin.
    Valeu, Karam…

  10. Maringas

    Não posso dizer que fui amigo dele, mas como sempre fui atraído por inteligência; sentei em várias mesas que ele iluminava e sorvi atento as palavras, postura, candura e sorriso.

    Bons tempos de vida inteligente nas mesas do Kapelle

  11. gloria flugel

    Deus deve estar dizendo: “ERREI PORRA!” (era uma velha piada contada por ele).
    Nós o amávamos completamente.

  12. Cila Schulmann

    É, Zé Beto

    Mandou muito bem: o Karam não se exibia, a gente é que precisava descobrir.

    Ficava ali, naquela velocidade de cruzeiro, vivendo e produzindo sem alarde; como se não houvesse o tempo, as dificuldades, a falta de inspiração, o cliente difícil, o mundo lá fora, o mau humor, o nervosismo.

    Era sempre disponível, brilhante, engraçado e supergeneroso.

    E este sempre inclui os momentos mais difíceis, claro, porque nos mais fáceis até eu, né?

    Homem de verdade, como bem disse você.

    Foi assim na linda e longa convivência com a Katia, um amor e uma parceria tão grandes que confesso que desde há muito tempo, quando me sinto meio desanimada, é à imagem deles que quase sempre recorro pra me assegurar de que o amor incondicional existe, de que a humanidade é capaz de compartilhar e de que a felicidade está bem pertinho da gente.

    Foi assim também em todas as campanhas que fizemos juntos.

    E foram muitas, aqui e lá fora.

    Em todas elas ele foi o cara.

    Porque entre muitas outras – dar conta do rádio, escrever plano de governo, criar discursos inteligentes, responder aos meus sem número de “o que você acha, Karam?” – era ele quem tinha a mais complicada das tarefas, a de escrever os textos do candidato.

    Não era só se adaptar à linguagem e ao jeitão da pessoa, nem só deixar no tempo certo. Era muito mais. Era achar a alma do sujeito. Às vezes até eu já estava desistindo e lá vinha ele com um pedacinho dela nas mãos. Aos poucos ia puxando o restante e daí pra frente era tudo só alegria.

    Ele nunca me segredou, mas eu imagino que porque tinha uma alma tão generosa, podia abrir mão de um tantão da sua pra emprestar pra eles no caso de não ter encontrado.

    Acho que o vi fazer isso algumas vezes.

    Mas como ele não era exibido, nunca vou ter certeza.

    A única certeza é que vou ter muitas, muita saudades do amigo querido.

    E a você, Zé Beto, agradeço por ter aliviado a nossa dor, traduzindo ele tão bem no seu post de hoje.

    Beijão.

    Cila

  13. Fabiana

    Zé,

    Numa das últimas vezes que conversei com o Karanzinho (era assim que falava com ele, mas nunca soube se o diminutivo o incomodava), ele me perguntou das crianças. Contei a ele algo que, como mãe, achava curioso. Meu filho, Tobias, descobriu o incrível mundo da geografia por meio do futebol. Queria saber coisas dos países, das cidades, como as pessoas vivem, como se vestem, qual o dinheiro (ele quer dizer a moeda). Contei ao Karam que tudo começou porque o Tobias descobriu que cada time é de uma cidade e cada cidade pertence a um país. E pode ser qualquer time, dos nobres europeus aos das cidades pequenas. E aí veio a surpresa: o Karanzinho disse que fez o mesmo caminho. Adorava futebol desde pequeno e descobriu o tamanho do mundo da mesma forma. Já contei essa história do Tobias pra um monte de gente, mas o Karanzinho foi o único que disse que fez a mesma descoberta. Karam e Tobias, dois meninos muito especiais.

  14. Katia

    o que dizer a todos vocês?
    faltam palavras, que claro não faltariam ao meu amado karam.
    são essas manifestações, expressas em gestos, palavras, olhares e carinhos, que hoje, apesar da tristeza da saudade, me fazem sorrir e murmurar: que privilegiada eu sou, por ter na minha vida o karam e também vocês.
    kk

  15. stella

    E pra reiterar a justeza do meu pessimismo em relação a esse mundo, taí: vão-se os Karams do nosso meio jornalístico e ficam os Cattanis infartados da vida. Um verdadeiro “puta, errei!” do Senhor! É ou não é?

  16. Pé Vermelho

    Ô Fabiana, baita crônica a sua muié de Deus! Crônica e aula. Crônica, aula e filosofia. Crônica, aula, filosofia e uma enorme loa às muitas postadas para o tão chorado Karam!

  17. Isabella

    KÁTIA

    ACABEI DE SABER…(11H00 Murcia/Es – DIA 04)

    DAQUI DE LONGE, DEIXO MEU ABRAÇO MAIS FORTE.

    MEU CORAÇAO CHORA…

  18. Cris Rangel

    Como o trabalho sempre nos leva pra longe de Curitiba, só soube agora (04/12) e meu coração ficou apertadinho…
    Tardes quentes aquelas em que encontrei o Karam caminhando na Cândido de Abreu. Só nas quentes porque eu, diferentemente dele, detesto o frio.
    Sempre com um sorriso no rosto e um abraço.
    Sentirei saudade. A propósito pessoal, Deus não erra! Não seria justo deixar um cara como o Karam nesse mundo doido em que vivemos. Deus sabe sempre o que faz! E eu agradeço a Ele por ter conhecido pessoas como Karam e como vc, Zé!

    Kátia, que Deus te abençoe!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.