5:49O sucesso de "1808", segundo seu autor

 Por Laurentino Gomes, especial para este blog*

Sabe a história da criatura que ganha vida própria e foge ao controle do criador? Pois acaba de acontecer comigo!
 

Durante dez anos pesquisei, com disciplina e dedicação, a história da fuga da corte portuguesa para o Brasil. Nesse período, li ou consultei mais de 150 livros, no Brasil, em Portugal e nos Estados Unidos. Ao lançar 1808, dois meses atrás, achei que tinha feito um bom trabalho e esperava alguma repercussão positiva. O que aconteceu desde então foi muito além das minhas melhores expectativas. O livro entrou na lista dos mais vendidos logo na primeira semana e há cinco ocupa o primeiro lugar no ranking da categoria não-ficção. Na semana passada, na livraria FNAC de São Paulo, estava vendendo mais do que O Segredo, o maior fenômeno de todos os tempos na literatura de auto-ajuda. Com uma tiragem total de 60 000 exemplares, 1808 já está na sua quinta edição. Chovem convites para entrevistas, palestras e sessões de autógrafos. O que aconteceu com este país? Por que História do Brasil virou tema popular? Por que os brasileiros, que até tempos atrás enfrentavam o tema com enfado nas escolas, agora se mostram tão interessados em ler sobre D. João VI e sua corte?

Tenho duas hipóteses:

1 – Finalmente estão surgindo obras com linguagem mais acessível a leitores comuns, livres do jargão e do ranço acadêmico que tanto marcaram um certo período da narrativa histórica no Brasil, especialmente na que eu chamo de fase “marxista”, marcada pelas obras de historiadores como Nelson Werneck Sodré, Celso Furtado e Caio Prado Junior, para citar apenas alguns exemplos. Esses autores deram, obviamente, contribuições importantes à historiografia brasileira, mas, convenhamos, produziram obras muito chatas e inacessíveis aos leitores leigos. O ensino de História nesse período impôs um sacrifício desmedido aos estudantes nos bancos escolares.  Nesse aspecto, esses autores ajudaram a afastar os brasileiros do estudo de História. Felizmente hoje, além dos jornalista, alguns historiadores estão se destacando pela capacidade de escrever em tom didático e fácil de entender. Entre eles estão José Murilo Carvalho, com o seu bem-sucedido D. Pedro II, Mary Del Priore, com O Príncipe Maldito, e Lilia Schwarcz, com A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis. Eu, modestamente, me julgo incluído nesse grupo com 1808.

2 – O Brasil de hoje se tornou um país tão complicado de explicar que as pessoas estão voltando ao passado no esforço de entendê-lo. Isso é uma boa notícia. Ninguém consegue explicar o presente sem entender os acontecimentos do passado. Acho que depois da redemocratização se alimentou no Brasil a falsa esperança de que bastavam o voto direto e a eleição de alguns presidentes messiânicos – Collor, Lula – para que todos os problemas se resolvessem. A constatação hoje é que um país se muda muito mais lentamente. Problemas brasileiros que consideramos tão atuais já estavam presentes na nossa História duzentos atrás.  Corrupção, clientelismo, troca de favores, ineficiência nos negócios públicos, desigualdade social – estava tudo lá no Brasil de D. João VI. Mas foi lá também que nasceu o Brasil que conhecemos hoje, um país de integrado, de dimensões continentais, que tem a mesma cultura e a mesma língua, adota o mesmo currículo escolar e torce pela mesma seleção de futebol. Paul Jonhson, historiador britânico – e também jornalista – diz no livro A History of the American People que os países, tanto quanto os seres vivos, têm um DNA. A forma como um país é criado define todo o seu futuro, diz ele. O que procuro demonstrar no meu livro é que o código genético do Brasil está em 1808 – para o bem e para o mal.

* Laurentino Gomes, jornalista paranaense nascido em Maringá, estará em Curitiba no dia 8 de dezembro para o lançamento oficial de “1808”

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Uma ideia sobre “O sucesso de "1808", segundo seu autor

  1. Tarquinio Torquato

    Laurentino está de parabéns pelo seu livro. O texto fluente torna a leitura deliciosa e as informações estão fundamentadas em pesquisa extensa e rigorosa.
    Está mais que na hora de a academia se desvencilhar do ranço hermético que permeia o trabalho de historiadores e sociólogos.
    Trabalho com metodologia científica não precisa ser chato e mal escrito. E isso sem falar no uso desmesurado – que ainda prevalece – dos manuais marxistas em que se baseiam as teses e dissertações da pós-graduação.
    Como a turma da academia – com algumas exceções – não evolui, acabou sobrando um ótimo filão para os jornalistas dispostos à investigação histórica.
    Laurentino, qual seu próximo tema?

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