3:40Esporte de macho

Texto de JamurJr.
Na década de 60 o Britânia, de saudosa memória e muitas glórias no nosso futebol, era o grande fantasma dos chamados grandes do futebol. Com jogadores criados em casa ou oriundos de equipes da periferia, mantinha sempre um time competitivo e revelava craques que faziam a alegria das grandes torcidas.  Jogadores como Kruger e Antero, que mais tarde reforçaram o Coritiba, Zé Carlos, que ganhou um contrato com o América do Rio de Janeiro, e Kiko, um ponta esquerda rápido, driblador e eficiente, foram alguns dos grandes destaques na história do simpático clube. O Torneio Início, que dava a largada para o campeonato estadual, reunia todos os times no Estádio Durival de Brito em partidas com 30 minutos de duração. O Britânia era o terror desse torneio. Nos intervalos do campeonato os clubes programavam partidas amistosas em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Certa ocasião o time do Kiko foi jogar com o Avaí, em Florianópolis. Viajaram de ônibus em estrada de terra, comendo pó durante a maior parte do dia. Algumas paradas para alimentação, esticar as pernas e “tirar água do joelho”. Ficaram hospedados no Hotel Royal, próximo à Praça 15 de Novembro, um dos locais mais tradicionais e freqüentados na capital catarinense. Enquanto aguardavam a hora do jogo, passearam pelo centro e descansaram à sombra da famosa figueira da velha praça. Alguns meninos curiosos que passavam pelo local faziam perguntas sobre o time e pediam palpites sobre o possível resultado. Um dos garotos queria saber quem era o ponta-esquerda.

-Sou eu, disse Kiko.

-Táissss ralado. Tu vais ser marcado por uma “bicha”.

Os garotos continuaram a insistir na história da bicha, dando risadas como quem prenuncia alguma coisa fora da normalidade num jogo de futebol. Kiko inicialmente ficou preocupado.

– Será que essa bicha vai me atacar com beijos e amassos?

No vestiário, antes do jogo, alguns companheiros brincavam com o marcador de Kiko.

-Kiko, não vai se apaixonar pela bicha e esquecer a bola.

-Não vale passar a mão na bunda e se enrolar com ele no gramado.

Quando entraram em campo, Kiko ficou atento para conhecer o lateral que era esperado com sapatilhas, meia-calça e cilios postiços. Para surpresa de todos, entrou em campo um jogador sem nenhum sinal de frescura, apesar do calção muito curto e com jeito de ter sido engomado. Tratando-se de uma bichona, as possibilidades de Kiko dar um show de habilidade eram maiores. O jogo teve início e a primeira bola que saiu em direção ao Kiko, lançada por Kruger, chegou no endereço acompanhada pelo marcador que deu um bico na canela e uma cotovelada no atacante britânico. Um pouco assustado com o vigor do lateral bichona, Kiko aguardou uma oportunidade para mostrar que não tinha medo de cara feia, nem “estava ali para levar porrada de fresco”. Outra bola lançada. Recebeu, tocou na frente e saiu com sua conhecida velocidade que deixava marcadores bem distantes. Não chegou a pegar a bola. Levou uma pancada na panturrilha e foi cair fora do gramado. O jogo terminou com o atacante cheio de marcas na canela, nas costelas e o tornozelo dolorido. Enquanto recebia atendimento do massagista no vestiário, Kiko fez somente um comentário. 

-Imaginem se esse cara não fosse bicha.

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Uma ideia sobre “Esporte de macho

  1. nelson padrella

    Sempre é agradável ler os textos deste que foi o melhor locutor da minha infância. Na extinta Rádio Ypiranga, XZYP7. Verdade que ele também era criança. Ah, bons tempos da Palmeira…

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