4:55A isca

Texto de JamurJr.
 

Uma boa pescaria começa com a escolha da isca, da fase da lua, do isopor com cerveja gelada e um bom companheiro. Aljour, um advogado que pretendia ser jornalista, é pescador de final de semana, como o é Ernesto, que se especializou em pesca de mar e pouco sabe de rio. Moacir, que passa a semana vendo gente de boca aberta, na sexta-feira troca o boticão pela vara de pesca e sai em busca lambaris do rabo vermelho.  A proximidade do final de semana é um momento de expectativa e planejamento, que tem na alegria do lazer o combustível que movimenta e anima os amantes desse esporte. Mas, nem tudo é alegria, pelo menos no momento. Aljour costumava chegar no pesqueiro e encontrar dois moradores do local, sempre prontos a cavar uns buracos para encontrar isca – a popular minhoca. O mesmo ocorre com Moacir que, nas últimas semanas, também ficou sem as suas. Ernesto reclama da ausência do pescador que estava sempre com a tarrafa na mão, em sua pequena canoa na baía de Paranaguá, esperando a hora de conseguir algumas sardinhas cascudas, a isca preferida da maioria. Acabou a alegria dos pescadores e o culpado, segundo eles, é o Bolsa Família. Chamada de isca eleitoral, o Bolsa Família, se por um lado resolveu o problema de pessoas carentes, sem condições de se alimentar pelo menos duas vezes ao dia, por outro deixou muita gente com uma preguiça danada. O dinheiro fácil que chega no final do mês tira a vontade de enfrentar o batente diário – dizem os observadores da cena em questão. Sejam estes alguns casos isolados, ou não, a impressão que se tem é de que o beneficio do governo está criando uma multidão de dependentes e acomodados. Ficou mais fácil ganhar algum dinheiro sem trabalhar. Quem acordava cedo para pegar isca com sua tarrafa já pode dormir até tarde, visitar os amigos, tomar umas e outras que o dinheiro da Bolsa chega certinho no final do mês. Não se pode negar a importância desse programa de assistência social, que melhorou o padrão de alimentação de milhares de brasileiros pobres. Faz bem a todos nós saber que esses patrícios que não tinham o que comer estão sendo assistidos. Melhor ficarão no dia em que tiverem acesso a empregos que garantam o sustento de suas famílias. Por enquanto, os pescadores vão continuar sem suas iscas, procurando fórmulas de fisgar o peixe sem elas. Quando descobrirem a fórmula, devem contar aos políticos que é possível fisgar, sem isca.    
 

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Uma ideia sobre “A isca

  1. Ana Karenina

    O Brasil está no topo entre os campeões de desigualdade em distribuição de renda. Os dados mostram que 1/4 da população brasileira está abaixo da linha da pobreza (e da dignidade humana). Não tenho os números recentes, mas há 3 ou 4 anos, o nosso país só perdia em desigualdade de renda para dois países: a Suazilândia, norte da África (que ninguém nunca ouviu falar) e a Nicarágua (quintal dos EUA), segundo dados do Pnud (programa das Nações Unidas para o desenvolvimento).
    Chamar todos que recebem o Bolsa Família de vagabundos é, no mínimo, miopia social aguda.
    Sensibilidade tinha Betinho: QUEM TEM FOME, TEM PRESSA! Não pode esperar programas, políticas públicas nem emprego. Tem que comer hoje, amanhã e depois.

  2. carlos

    Ô arrelia! só pra constar: a escravidão no Brasil demorou, mas já acabou. E em relação à lei áurea não há direito adquirido (infelizmente para algumas pessoas)

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