5:28José, meu pai

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Era José, era Antonio, era da Silva. Meu pai. Criou, “do seu jeito”, eu e este piá que ele segura na foto, Ricardo, alma boa que vive lá em Palmeira dos Índios, Alagoas, origem de tudo. Foi embora em março do ano passado. Quatro anos depois de Josefa, que era Maria, que era da Silva, sua companheira de quase meio século. Cumpriu a missão sem falar muito, mesmo porque não aprendeu a ficar no nhenhenhem. Sua vida foi nossa melhor lição. Calçou o primeiro par de sapatos aos 15 anos. Aos 18 saiu do Sítio São José, onde vendia leitão em lombo de burro, para se aventurar no Rio de Janeiro. Sabia ler, escrever, somar e subtrair. Foi o suficiente. Foi garçom na então capital federal, conheceu gente como Chico Anísio, Grande Otelo e Orlando Silva, e depois de casar com a Zefinha resolveu tentar a vida em São Paulo. Um dia lhe perguntei por quê. “Cismei”, explicou. Fim de papo. Trabalhou como operário, depois virou comerciante, ganhou um dinheirinho e voltou para sua terra fechando o ciclo tradicional do pau-de-arara. Era depressivo. Não sabia disso, como milhões de brasileiros. Bebeu muito. Teve um longo período de abstinência, depois recaiu. Parou apenas quando uma doença o impediu de andar. Não bebia em casa. Só no bar. Nunca atormentou sua companheira. Era esse seu tipo. Batalhou sempre. Divertia-se pouco. Viu dois filmes na vida. Os pássaros e Rei Pelé. Santista para sempre. Nunca foi ao estádio. Ouvia pelo rádio. Uma única vez levou a família ao restaurante. Pizza. Uma televisão em preto e branco transmitia um programa de auditório. Cauby cantou em inglês. Como esquecer? Nunca pediu para ver um caderno escolar dos filhos. Cada um se vira como pode. Seu olhar era um tiro de 45. Balas azuis cristalinas. Revelou a alma de anjo por trás da carapaça de aço no dia em que o filho mais velho vestiu a farda do Exército e foi fazer o estágio do CPOR. Chorou muito. Ao  ser comunicado do primeiro casamento deste Zé que agora lhe presta homenagem, disse apenas: “Veja bem o que está fazendo!”. Sabia das coisas. Oito anos depois, na primeira separação, ele já de volta ao Nordeste, tascou: “Não falei?”. Quando descobri que eu era ele e ele era eu, depois de sofrer feito cão danado sem saber direito porquê, fui até lá para dar-lhe o primeiro de uma série de beijos e abraços. Ele esperou quarenta anos por isso! E me retribuiu alguns anos depois. Meu pai me beijou! Fiquei uma semana dormindo ao seu lado no hospital antes da última partida. Fiz sua barba, troquei sua roupa quando estava na pedra fria antes de ser colocado no caixão. Conversei muito com ele ali. Meu pai estava com um olho aberto. Queria ver tudo. Viu. Dois filhos que sempre serão gratos por tudo o que fez e ensinou. Sem falar muito. Porque não era do feitio deste José, que era Antonio, que era da Silva.

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